terça-feira, 25 de junho de 2013

BRECHT DETURNADO


O pior analfabeto é o político profissional. Ele não ouve, não fala, nem participa de nada, nem pensa em nada a não ser naquilo que possa lhe render voto. Ele não sabe do custo de vida, do preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio, pois essas coisas nunca faltam para ele. O político profissional é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia qualquer um e qualquer coisa que não lhe renda voto. Não sabe o imbecil que, da sua política da ignorância, nasce a prostituta, o menor abandonado, e os piores de todos os bandidos: seus colegas políticos vigaristas, pilantras, corruptos e lacaios das empresas nacionais e multinacionais. Brecht deturnado

IIII! FUDEU! O POVO APARECEU!


O pior analfabeto é o político profissional

O pior analfabeto é o político profissional. Ele não ouve, não fala, nem participa de nada, nem pensa em nada a não ser naquilo que possa lhe render voto. Ele não sabe do custo de vida, do preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio, pois essas coisas nunca faltam para ele. O político profissional é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia qualquer um e qualquer coisa que não lhe renda voto. Não sabe o imbecil que, da sua política da ignorância, nasce a prostituta, o menor abandonado, e os piores de todos os bandidos: seus colegas políticos vigaristas, pilantras, corruptos e lacaios das empresas nacionais e multinacionais. Brecht deturnado

A ALGUMAS METAS IMEDIATAS PARA SEREM ATINGIDAS, E ALGUNS PROPÓSITOS PARA SEREM ALCANÇADOS.



Por Zumbi, o Bakuniniano

Aos movimentos sociais:

São duas propostas para serem postas que se subdividem em alguns outros propósitos. As duas propostas se baseiam na idéia de que devemos romper com o passado, então elas são a Revolução nos valores morais e de convívio, e em seguida a Revolução social, política e econômica simultaneamente e em todo Brasil. O Brasil em seguida gritará para o mundo, pois, romperemos com o passado e não seguiremos o modelo de nenhuma nação, e gritaremos para que as nações façam o mesmo, por agora vamos falar para que o povo daqui coloque em prática os propósitos que mais lhe convém, nossa causa é do povo e o povo é formado por humanos, logo nossa causa é a causa da Humanidade. Mas como estamos no Brasil, essas idéias que começam a serem expostas devem ser difundidas nos municípios e estados para depois outras nações também se conscientizarem. O patriotismo, nacionalismo e as fronteiras são as bases dos governos, dos partidos e dos exércitos para as suas desumanidades. Esse será o primeiro ponto o povo precisa se humanizar, as pessoas são desumanas umas com as outras, pois são obrigadas a viver assim pelos governos e autoridades, assim como pelos partidos que são na sociedade moderna as autoridades que governam o povo. Por isso o povo deve se humanizar, porque se a situação está ruim é porque além de o povo ter estado dormindo o próprio povo não era também humanizado, fomos e somos obrigados a ser desumanos uns com os outros. Agora o povo acordou, porém ainda é desumano uns com os outros, assim como os políticos que criticamos, e se hoje a população é assim, o é involuntariamente, porque as pessoas querem se humanizar e conviver umas com as outras A primeira Revolução, a dos valores morais e de convívio deve se dividir nas seguintes etapas ou metas:

A primeira delas é que o povo encontre os meios de se organizar, e isso já está sendo feito, é o próprio povo que deve se organizar, e a partir daí deve partir para os âmbitos sociais, econômicos e políticos; como será essa organização está a discutir, mas ela deve ser da forma mais livre e menos burocrática possível. Então o povo deve se preparar para saber repudiar e viver, sem partidos e sem militares, para que no nosso objetivo último seja que não hajam governantes e governados, policiais e nem ladrões, devemos fazer essas segregações desaparecerem e seremos todos humanos. Para entendermos a isso, temos que entender os próximos propósitos.

A segunda meta é que o povo continue a se mobilizar, e nossa mobilização é do povo, ou seja, o próprio povo deve fazer o seu papel e conscientizar o povo, em todas as localidades, o povo em conjunto tem meios para isso, quer dizer, idéias e recursos para fazer com que todos se conscientizem também. Isso nunca foi feito porque nunca foi pensando, os brasileiros do passado achavam que os partidos e os estados dariam conta da educação e organização e que evoluiríamos graças a essa educação e essa organização. Essas propostas visam mostrar que não, e tendem a fazer ver o potencial do povo, então ele próprio se organiza, ele próprio conscientiza os demais do povo. Isso nunca foi pensado porque não queriam que o povo reivindicasse e muito menos que o povo tivesse propósitos, por isso agora, para nós, reivindicar não será tudo, temos que por nossos propósitos em prática. Se conscientizar, quer dizer que, o próprio povo é que deve produzir material para essa conscientização, devem criar arquivos, imagens, publicações, muitos são na população que sabem mexer com Word e paint, fora outros programas sofisticados e atualizados, então façam materiais para conscientizar a população. Sendo assim pessoas e grupos entre a população devem mobilizar iniciativas e disponibilizar espaços, e criar redes paralelas de divulgação na internet, para não compartilhar coisas que minem o imaginário social e que são jogados pela mídia para atrapalhar nossa manifestação e mobilização, atrapalhar o povo de se unir e pensar em soluções e que corram para eles novamente.

Querem os partidos e a mídia que compartilhemos o medo mesmo, a dúvida, e o problema, quaisquer governos vão querer isso. Então é melhor evitar assistir a televisão ou assistir o mínimo possível e de uma maneira atenta, temos que mobilizar a população para coisas desse tipo, e vamos divulgar as informações de maneira livre na internet. Que as pessoas do povo criem imagens, arquivos, façam panfletos, publiquem para informar, conscientizar e marcar os próximos atos.

A terceira é que o povo depois comece a educar o povo, temos que pensar em meios que viabilize esse tipo de propostas, sem ela nunca ocorrerá mudanças reais nos âmbitos sociais, nem na economia, nem na política. A proposta educacional também está para ser apresentada, eu mesmo por minha parte tenho algumas, mas isso ainda está em aberto, e essas mesmas propostas que estão para ser apresentadas podem ser complementadas, porém essa educação deve ter por base tornar as pessoas humanas e torná-las livres, ensiná-las princípios para que elas saibam o que é ser um ser humano, e para que saibam ser livres.
Alem de que o povo tem que pensar e mudar toda a organização social, para isso muitas pessoas darão os seus apontamentos sobre as vias possíveis, algumas coisas estarão definidas e outras ficarão em aberto. O próprio movimento que é a vida faz, faz com que coisas fiquem em aberto, nem por isso quer dizer que a organização que estamos elaborando não encontrará resposta para as questões dos interesses e necessidades da sociedade. Os que dizem ter tudo definido eterno, e plenamente acabado, são os que nos impõe e essa imposição sempre terá um caráter injusto e tirano, dizem falsamente essas coisas porque são hipócritas.

Por isso devemos “desmarginalizar” às pessoas, trazendo os meios de produção e subsistência para os povos de regiões que afastadas do centro, periferias e para toda a população. Assim as pessoas vão se conscientizar e se unir de verdade, não como tem feito no passado sob os governos, sob os partidos, sob o patriotismo e sob as lideranças religiosas, cada uma em seu tempo histórico e em cada civilização.
A pessoa humanizada é a pessoa capaz de sociabilizar.

Temos que mobilizar a ação do povo para que possamos atingir essas metas, afim de que o povo saberá que sim, ele deve intervir diretamente, e aí já se fala da revolução social, econômica e política. Para chegarmos a esse ponto já é preciso que tenham sido movidos certos avanços nos termos de organização e humanização das pessoas, isso será através dos atos, e de outros eventos e locais que encontros poderão ser realizados. Devemos ao invés de partidos devemos criar associações ou organizações que deverão se associar e se federalizar de maneira não burocrática. Esse federalismo deve ser real e sem fronteira para o Brasil inteiro e visando que o mundo também possa se conscientizar, esse é o chamado federalismo internacionalista, casa não seja, só para o Brasil seremos uma federação interestadual, formada de várias associações para se associar livremente, o povo deve organizar uma revolução e um ato em todo o território nacional de hoje simultaneamente em todos os Estados, e acontecerá uma intervenção direta do povo
Isso acontecerá quando tivermos conscientizado o povo pelo menos de uma maneira geral, e quando tudo já estiver definido sobre como a população vai fazer para se organizar e distribuir as riquezas já a partir da hora dessa intervenção direta que é a revolução.

Sendo assim nos nossos próximos atos temos que priorizar na rua, um movimento de conscientização de maneira paralela as reivindicações que hoje estão sendo feitas. Acredito que esteja claro as razões para isso, e o que toda a população poderá conseguir com isso. Os primeiros movimentos serão o de humanizar a população e livrá-las do sentimento cego escravagista e patriótico.

Os movimentos sociais e partidos políticos devem perceber que uma reforma ou revolução somente política não poderá resolver os problemas da população, o problema é social, econômico além de político. Por isso devemos ajudar a preparar o ponto em que o povo intervirá diretamente e deverá fazer uma revolução econômica política e social, assim conseguirá resolver os seus problemas , necessidades e interesses.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

AAUE: ORGANIZAÇÃO UNITÁRIA CONTRA A DIVISÃO ENTRE LUTA POLÍTICA E ECONÔMICA




Diego Negri

A A.A.U.-E. (Allgemeine Arbeiter Union-Einheitsorganization = União Geral dos Trabalhadores – Organização Unitária) formou-se em outubro de 1921, na Alemanha, num contexto social conturbado pelas lutas e greves selvagens. Nos inícios da década de 1920, o sindicalismo alemão (controlado pelos sociais democratas) foi ultrapassado por uma nova prática organizativa: os conselhos operários. Nesta estrutura, os trabalhadores formulavam imediatamente o problema da gestão operária da economia. A social democracia recupera estes conselhos, transformando-os em estrutura de co-gestão entre patrões e operários, mas a potencialidade revolucionária destas estruturas permanece relevante.

A A.A.U.-E. era uma das três principais correntes da esquerda comunista alemã, as outras duas eram o K.A.P.D. e a A.A.U.D. (1). Juntamente com o restante da esquerda comunista alemã, a A.A.U.-E. julgava que a sociedade havia mudado com relação ao século XIX, quando o proletariado formava só uma restrita minoria da sociedade e, então, devia inevitavelmente aliar-se com outras classes. Esse tempo havia passado, o proletariado - ao menos nos países desenvolvidos do ocidente - constituía agora a maioria da população, portanto acontecera uma nítida separação entre burguesia e proletariado, polarizando os respectivos interesses. A revolução estava na ordem do dia (basta recordar as análises sobre a ruína do capitalismo, elaboradas nos anos 20 e 30). Esta mudança social alterava também a concepção do movimento comunista. O movimento comunista era a ação autônoma dos operários, que se auto-organizavam em conselhos contra as estruturas burguesas e/ou de mediação: o sindicalismo e a luta parlamentar. Enquanto o K.A.P.D. e a A.A.U.D. mantinham intacta a divisão entre política e economia (partido e sindicato), a A.A.U.-E. pensava numa superação deste dualismo. Queria edificar uma grande organização unitária cujas tarefas seriam conduzir a luta prática dirigida pelas massas e, mais tarde, assumir a gestão da sociedade baseada no sistema dos conselhos operários. A A.A.U.-E. era contra os partidos porque nenhum deles podia substituir o proletariado, e este deveria superar por si mesmo suas deficiências. Embora muito semelhante à I.W.W. (Industrial Workers of the World: Trabalhadores Industriais do Mundo, organização sindicalista revolucionária), organizando os operários por empresa e não por categoria, era diferente dela porque considerava necessário um poder político especificamente operário. Apesar das diferenças de posição política geral, uma parte do movimento anarco-sindicalista alemão (muito numeroso na época) colaborou com a A.A.U.-E. nas lutas, influenciou-a e foi influenciado por ela.

O antiautoritarismo e a democracia direta operária eram a base da organização. Todavia, esta experiência duraria pouco (até 1923), sendo destroçada pela repressão social-democrata e por uma avaliação equivocada da fase social (a suposta ruína do capitalismo que tornava iminente a saída revolucionária). Foi uma das primeiras organizações de esquerda a condenar o bolchevismo, denunciando-o como sistema econômico burguês e contra-revolucionário. As elaborações teóricas da A.A.U.-E. se encontram principalmente na revista Die Aktion e nos opúsculos de Otto Ruhle, o maior teórico alemão do comunismo de conselhos. Pannekoek (2), embora tenha se mantido afastado de qualquer organização depois de 1920, demonstrou sua afinidade com a A.A.U.-E. escrevendo: “A idéia de que devam existir duas diferentes organizações de operários é falsa.” Esta concepção organizativa unitária será retomada durante as lutas surgidas em 1968 e 1977, negando porém os aspectos gestionários e produtivistas de tal modelo.

LINHAS DE ORIENTAÇÃO PARA A A.A.U.-E. ( extraídas de Die Aktion n. 41/42 – 1921)
TESES: (3)

1. A A.A.U.-E. é a organização unitária política e econômica do proletariado revolucionário.

2. A A.A.U.-E. luta pelo comunismo, a socialização da produção e dos bens de consumo produzidos. A A.A.U.-E. quer estabelecer a produção e a distribuição planificadas no lugar das atuais produção e distribuição capitalistas.

3. O objetivo final da A.A.U.-E. é a sociedade em que todos os poderes foram abolidos, o caminho para esta sociedade passa pela ditadura do proletariado. É a vontade dos operários que determina exclusivamente a organização política e econômica da sociedade comunista graças à organização dos conselhos.

4. As tarefas mais urgentes da A.A.U.-E. são: a) destruição dos sindicatos e partidos políticos, principais obstáculos à unificação da classe proletária e ao posterior desenvolvimento da revolução social, que não pode ser tarefa de partido ou sindicato; b) união do proletariado revolucionário nas empresas, células da produção, fundamento da sociedade futura. c) desenvolvimento da autoconsciência e da solidariedade entre trabalhadores; d) preparação de todas as medidas que serão necessárias para a edificação política e econômica.

5. A A.A.U.-E. rejeita todos os métodos reformistas e oportunistas de combate, opõe-se a qualquer participação no parlamento e nos conselhos de empresa legais, porque tal participação significa sabotar a idéia dos conselhos.

6. A A.A.U.-E. rejeita fundamentalmente todos os dirigentes profissionais. A revolução não pode depender dos autodesignados dirigentes atuando como conselheiros.

7. Todas as funções na A.A.U.-E. são voluntárias.

8. A A.A.U.-E. considera o combate de libertação do proletariado não como uma questão nacional, mas como uma tarefa internacional. Por isso, a A.A.U.-E. se esforça para conseguir a união do conjunto do proletariado mundial numa internacional dos conselhos.

NOTAS:

(1) O K.A.P.D. (Partido Operário Comunista da Alemanha) foi fundado em 1921. Contrário ao parlamentarismo e ao sindicalismo, em desacordo com as posições bolcheviques sobre o partido. Concebe-se como minoria operária comunista que propagandeia teórica e praticamente a revolta e a formação de conselhos operários revolucionários. A A.A.U.D. (União Geral dos Trabalhadores da Alemanha), fundada em 1920, é a organização econômica do K.A.P.D.. Baseia-se em dois conceitos: a) os operários se unem por empresa; b) as organizações de empresa se agrupam por região industrial. A A.A.U.D. se vê como embrião dos conselhos operários revolucionários.

(2) Pannekoek, Anton (1873-1960) – holandês, foi um dos maiores teóricos do comunismo de conselhos.
(3) Estas teses foram apresentadas pelos distritos de Saxe Oriental e de Hamburgo à 4ª Conferências da A.A.U.D. (Junho de 1921). Foram adotadas como definitivas pela 1ª Conferência Autônoma da Oposição em Outubro de 1921.

Tradução livre (resumida e adaptada) feita pelo coletivo de tradutores do Grupo Autonomia.

Biblioteca virtual revolucionária

OITO HIPÓTESES SOBRE O PÓS-FORDISMO




De: Marco Revelli, Le Due Destre, Bollati Boringhieri, Torino 1996.


Em períodos de decadência, como o atual, de pouco servem a rotina intelectual e as pequenas manobras do pensamento. Nesses períodos, vale a pena tentar, de algum modo, refletir sobre a crise em termos radicais. Em nosso caso, tentar pensar a reestruturação produtiva e social em curso, pressupondo que este fim de século - este tumultuoso desenlace do século vinte - não é uma simples "expressão cronológica", nem um reajuste conjuntural dentro da normalidade, mas assume, do principio ao fim, a forma de uma ruptura histórica. De um "salto de paradigma" que, por assim dizer, assinala, como tal, uma descontinuidade profunda em todos os níveis: cultural, social, político. E nos obriga a reconstruir, pela base, modelos organizativos, identidades coletivas, categorias interpretativas, linguagens.

Será possível "pensar politicamente" uma transição tão radical quando, como agora, mal começou? Quando falta inclusive o vocabulário para "nomeá-la"? Creio que sim, mas sob três condições.

A primeira passa pela consciência do risco implícito em uma operação de tal envergadura. Pensar radicalmente o futuro implica uma dose "desproporcional" de experimentalidade, de simulação, ser iconoclastas em certos momentos; um desapego "irresponsável" a respeito das contingências do existente, como se a isso já estivesse habituado num momento em que o antigo conflito ainda não foi resolvido e a partida continua, por assim dizer, jogando-se formalmente (e nunca como agora tão dramaticamente). Como imaginar as hipotéticas linhas de ação do amanhã sem esvaziar de sentido as formas concretas da resistência atual?

A segunda condição passa pela consciência do caráter fragmentário, provisório, sistematicamente autocontraditório das analises a propor. Em um contexto em que o inédito e o banal se entrelaçam de modo inextricável, convivendo um ao lado do outro, cada fragmento de descontinuidade descoberto pode ser novamente enterrado e desmentido por continuidades muito mais fortes, qualquer emergência do novo pode ser questionada por infinitas confirmações de eternos retornos.

E quando, se o que buscamos é confirmação, nem a praxis pode vir em nossa ajuda, faz-se necessário apostar. E apostando, apostar também, desde o momento em que, na mobilidade absoluta do real, é necessário para começar - ainda que somente fosse como opção de método - um ponto fixo, por um ponto de apoio - e esta é a terceira condição para nossa analise: uma perspectiva estrategicamente situada.

I
Segundo penso, a aposta (dupla) é esta: no "afundamento de todos os valores" pode se manter no mínimo um elemento da "velha" leitura da relação marxiana entre estrutura-superestrutura: a opção por continuar buscando, apesar de tudo, aquilo que se chamou a "composição técnica do Capital" em sua articulação com a "composição política de classe", no sentido da atual mutação, no "lugar" de uma analise racional do existente. Também penso que o respeito desse ponto de vista particular - "continuista", não o nego -, nos leva, contudo, a excluir qualquer possibilidade de continuismo político-institucional. Permanece, pois, num marco consolidado, para confirmar, não obstante, a rápida e irreversível dissolução do "nosso mundo' (do contexto em que se constituiu a "política social' do século XX), e a emergência de um novo cenário, no qual a interrelação entre capital, trabalho, Estado e formas organizadas da política e do conflito se dá de um modo inédito. No qual, acima de tudo, parece consumar-se a crise todas as CULTURAS maiores de nosso século: aquela "técnica" do Capital em sua forma "fordista-taylorista", e aquela política do Movimento Operário, em sua acepção "socialista", e do "compromisso social" que ambas culturas estabeleceram entre si.

A hipótese deste trabalho é a seguinte: nos encontramos frente a uma dessas crises que Gramsci definia como "orgânica" (com razão se poderia invocar o espírito do americanismo e fordismo para dar conta da dimensão dos níveis implicados nela). Um transito "epocal", no qual se entrelaçam, na atualidade, o fim de um longo ciclo técnico e organizativo de acumulação do Capital e, ao mesmo tempo, o fim - a ruptura histórica - da "tradição do movimento operário" ( pelo menos em sua "tradição" política mais recente, que remonta, aproximadamente, ao primeiro conflito mundial). Isto é: a dissolução da "forma" que a produção capitalista assumiu em nosso século (fundada na centralidade absorvente da grande fábrica e no desligamento de um domínio de sua racionalidade estratégica sobre toda a retícula social), e o esgotamento da experiência histórica do movimento operário (combinação de partido de massas e de "Estado social", de organização geral e de estatatização).

É significativo que um técnico do capital como Taiichi Ohno (pai da denominada "produção flexível", da fábrica integrada e do espírito Toyota) e André Gorz, intelectual "orgânico" do que sobrou da esquerda européia, coincidam, no fundo, desde pontos de vista contrapostos, na mesma constatação radical: a necessidade de pensar ao revés. Em fazer eco de uma brusca ruptura em relação com os respectivos modelos de referencia, um constatando - do ponto de vista do capital - o fim do modelo produtivo baseado na "produção em massa" e a necessidade de subverter completamente a velha filosofia produtiva fordista-taylorista; o outro constatando - do ponto de vista do movimento operário - a consumação do "fim do socialismo" como "ordem social existente" e como "modelo de sociedade realizável". O primeiro para proclamar o imperativo, por parte da empresa, de assimilar integralmente a subjetividade do trabalho, convertendo-o em um fator diretamente produtivo; o segundo para constatar o eclipse do trabalho como fator constitutivo da subjetividade operária, sua dissolução como elemento básico da identidade coletiva. A leitura paralela de ambos nos diz o quanto, efetivamente e doravante, as capacidades produtivas - determinadas pelas inovações tecnológicas (dos anos setenta e oitenta) e a sucessiva reestruturação organizativa, resumida na fórmula "qualidade total", naquilo que se convencionou chamar de trânsito ao "pós-fordismo" - têm sido modificadas juntamente com as condições gerais da produção capitalista, isto é: seu "paradigma produtivo". E, ao mesmo tempo, até que ponto tudo isto tem transformado radicalmente as condições do conflito social e suas formas políticas.

II
Qual é a natureza efetiva do pós-fordismo? E qual é sua descontinuidade real com relação ao modelo produtivo precedente? Creio que tem uma certa razão aqueles que lêem, na transformação tecnológica e organizativa em curso, uma radicalização do modelo fordista-taylorista. Algumas de suas características de tipo "integrista" e mais opressivas são levadas ao extremo. No modelo da "fábrica integrada", do just in time, na fábrica que funciona a zero stock, sem almoxarifados residuais, com tempos totalmente sincronizados em cada um de seus segmentos, realiza-se, com efeito, o sonho "inacabado" de Henry Ford: a idéia de um fluxo produtivo contínuo e total que abarque todas as fases da produção ao mesmo tempo, que faça palpitar o conjunto do aparato produtivo no mesmo ritmo. Uma idéia que leva às últimas conseqüências o principio de conversão absoluta dos "tempos vivos" da força de trabalho em tempos produtivos, e que acentua, mais do que reduz, o grau de dependência do trabalhador na relação sistêmica do processo produtivo. Idéia que reenvia a uma lógica 'taylorista" - isto é: a submeter - em termos formalizados e pré-definidos, num âmbito de total sincronia entre todas as funções produtivas - setores tradicionalmente "externos" ao "sistema de fábrica" (por exemplo: os empregados em transporte, de unidade produtiva a unidade produtiva, ou o pessoal do sistema logístico). O que dramatiza mais que estimula, enfim, a questão de "domínio" sobre a força de trabalho (o "sistema" é aqui muito mais vulnerável do que o precedente a qualquer "assincronia", por menor que seja). Neste sentido, pode-se falar de uma forma de "intensificação" do velho modelo produtivo e não, certamente, de sua superação.

Isto - especialmente na Itália e mais especificamente na Fiat, onde o caminho a nova filosofia produtiva implica um elevado grau de compromisso - sem menosprezar fortes "resistências" estruturais, com a antiga filosofia (um modelo produtivo que tem sempre forçado o caráter centralista-burocrático do fordismo-taylorismo, uma estrutura hierárquica sem espaço para a autonomia e fundada numa cultura obsessiva do mando e da desconfiança). E ali onde, durante mais de uma década, acreditou-se levar a cabo uma revolução tecnológica radical sem mudar a estrutura organizativa preexistente. Ou seja: permanecendo todos esse elementos de "continuidade". Creio, por outro lado, que também pode-se afirmar que, PELO MENOS EM DOIS ASPECTOS, a nova filosofia produtiva marca uma forte descontinuidade com relação ao modelo precedente.

III
O primeiro aspecto faz referência a relação "fábrica-sociedade". Ou, se se prefere, a relação com o mercado. O fordismo se fundava no domínio absoluto da fábrica sobre a sociedade. Enquanto forma de organização típica da "produção em massa" (do modelo produtivo onde quem produz "sabe" ter à sua disposição um mercado quase ilimitado em que a oferta sempre será inferior à demanda), esta não devia "obedecer" ao ambiente externo, pelo contrario, podia permitir-se "modelá-lo". Definindo tipos de produtos e volumes de produção "autonomamente", exclusivamente baseados nos próprios parâmetros produtivos. A programação da empresa poderia, assim, pensar a sociedade como uma variável dependente, como objeto de programação, segundo a idéia de um fluxo linear que, dentro da direção da fábrica, do coração da produção, descenderia ao longo de todo o ciclo produtivo e daria, finalmente, forma ao mercado, “submetendo-o" à própria racionalidade técnica do mesmo modo como submetia a força de trabalho. Assim funcionava o fordismo: da fábrica para a sociedade, num fluxo de sentido único. A própria cidade fordista, a company town, não era mais que uma extensão da fábrica, seguia seus ritmos, seus horários, assumia seus estilos de vida e suas formas de domínio.

O novo modelo produtivo, por outro lado, deve enfrentar uma situação totalmente diferente: um mercado "maduro" e de limites bem definidos; um mercado "finito", por assim dizer, saturado em seus segmentos fortes, e onde a oferta deve medir-se com a variabilidade de uma demanda cada vez mais seletiva e freqüentemente imprevisível. Assim tem sido nos últimos anos. Anos em que a mundialização do mercado não acarretou, paradoxalmente, uma extensão ilimitada da capacidade de absorção de mercadorias por este, mas pelo contrario, tornou manifesta sua rigidez, a saturação tendencial implícita no seu desenvolvimento (também por causa da manifestação de limites "naturais - ou seja: ecológicos - que prejudicam estruturalmente o "terceiro mundo", a maioria da população mundial, bloqueando seu acesso às formas e aos níveis de consumo do Ocidente). E assim será no futuro. Este novo modelo produtivo deverá enfrentar, cada vez em maior medida, a crise de consumo que já começa a ocorrer atualmente, a "nova desordem" mundial conseqüência da improgramável mobilidade dos mercados, causa real da "derrota histórica" do fordismo e elemento que tem destruído o sonho de uma simples evolução do modelo por via tecnológica. A fábrica deve enfrentar agora uma sociedade que já não absorve tudo que ela produz, que não permite a manobra tradicional de diminuir custos aumentando o volume da produção. Uma sociedade que "resiste" ao domínio da racionalidade instrumental própria da esfera produtiva, que não aceita uma programação linear e obriga a estrutura produtiva a adequar-se ao "capricho" do mercado. E, determinada pelas modificações do "ambiente externo", a "vibrar", por assim dizer, com o mercado, modificando suas atitudes, a combinação de máquinas e homens na esfera produtiva, e mesmo os níveis de produtividade. Já não é a ordem produtiva o que "coloniza" a sociedade, que reduz qualquer âmbito à sua geometria, mas é a desordem social (as volúveis "preferencias do cliente") que irrompe na fábrica, forçando suas estruturas a uma "mobilidade" cada vez maior, a uma capacidade de resposta cada vez mais fluida. Não é Marx quem naufraga aqui, mas Weber e sua idéia de racionalidade instrumental como possibilidade de programação e cálculo, construção de FORMAS regulares ao abrigo das perturbações da subjetividade; não é a crítica do século XIX á fábrica mecanizada que se esgota, mas o absolutismo do século XX, com seu estatuto técnico como pretensa forma universal da racionalidade.

IV
O segundo aspecto mencionado faz referência à relação com a força de trabalho. O taylorismo, como filosofia produtiva, assumia como pressuposto a idéia de uma "resistência" operária estrutural ao emprego de trabalho. Partia da existência de um "segundo mundo" na fábrica, diferente e separado da ordem da empresa, governado pelo seu próprio código de honra e por leis especificas não-escritas, e determinado a escamotear a própria força de trabalho, a retardar as operações, a sobretudo, "ocultar", sua potência produtiva real a hierarquia da fábrica. Para reagir contra isso, devia servir, precisamente, a "ciência do trabalho": para vencer a "preguiça natural" operária; para restituir ao patrão o conhecimento do processo produtivo, acabando com o monopólio do conhecimento sobre os ofícios possuído pelos trabalhadores. A fábrica taylorista era uma estrutura produtiva feroz, despótica, agressiva, porque era "dualista". Porque se baseava na idéia de uma separação e de uma contraposição estrutural entre os principais sujeitos produtivos. A fábrica incorporava, em sua "constituição", o conflito, a relação de forças. Para superá-lo, certamente; para dissolvê-lo na universalidade objetiva da ciência, mas não sem um resíduo irredutível em sua formulação: a alteridade operária dentro do sistema de máquinas era o princípio oculto do taylorismo.

A teoria da "fábrica integrada", em troca, pressupõe, filosoficamente, a idéia de uma estrutura produtiva "monística". De uma comunidade de fábrica unificada e homologada na qual o trabalhador deve consciente e voluntariamente "liberar" a própria inteligência no processo produtivo, conjugando funções executivas com prestações de controle e projeção, identificando os defeitos em tempo real e participando diretamente na redefinição da estrutura do processo produtivo, em relação com as variações da demanda. Entre força de trabalho e direção de empresa deve estabelecer-se uma continuidade cultural, existencial, um sentir comum, que não admita fraturas. Se a fábrica taylorista se fundamentava no "despotismo", esta aspira a "hegemonia". Se aquela usava a força, esta joga com a astúcia. Se aquela tentava dissolver a identidade operária, ou, no mínimo, controlá-la, esta se propõe a muito mais: procura "construir" uma identidade coletiva totalmente nova, enraizada no território da fábrica, coincidente, em seus limites, com o universo da empresa. Aqui não se trata de forçar uma massa "inerte" a fornecer trabalho bruto (energia produtiva). Trata-se, isto sim, de obter dela fidelidade e disponibilidade, e de levar a cabo uma "mobilização total" da força de trabalho que ative suas capacidades intelectuais e seus resíduos de criatividade. Trata-se, pois, de subjugar ao capital a dimensão existencial, subjetiva, da força de trabalho. Assim, também, de fazer do pertencimento à empresa a única subjetividade possível. E, em muitos aspectos, o corolário inevitável do que foi dito anteriormente: se de fato a fábrica deve "vibrar com o mercado", se sua morfologia (a estrutura do processo produtivo, a organização de equipes, as formas da divisão técnica do trabalho) deve modificar-se à cada modificação da demanda, não pode admitir uma força de trabalho "passiva". É imprescindível "politizar empresarialmente" o trabalho diretamente produtivo, exercer "hegemonia" sobre o antigo adversário "de classe".

V
Não creio que o impacto das "novas" características do pós-fordismo possam ser limitadas ao âmbito da fábrica. Como já ocorreu na transição das fases taylorista e fordista, é mais provável que as tensões geradas na esfera produtiva tendam a repercutir sobre todas as relações sociais, abalando equilíbrios consolidados, modificando instituições, estruturas, comportamentos, formas de mediação e conflito.

O primeiro terreno no qual isto se produzirá será - já é perceptível atualmente - o do "mercado de trabalho". Aqui, a questão se põe em termos opostos àqueles do "mercado de mercadorias": passa-se de uma posição de "dependência" da fábrica com respeito a estrutura do mercado de trabalho a uma posição de "domínio". Se no modelo da "produção em massa" o sistema dependia de um mercado de trabalho tendencialmente em situação de "plena ocupação"; se a fábrica fordista devia enfrentar uma oferta de força de trabalho relativamente limitada em sua dimensão quantitativa e, sobretudo, "dada" em suas características profissionais, devendo adaptar os próprios códigos produtivos à "qualidade" da mão-de-obra disponível, agora, no novo modelo, o sistema produtivo deve criar seu próprio mercado de trabalho ideal. Modelar a estrutura da força de trabalho, redefinindo as relações internas e sua estratificação. Incapaz de determinar o mercado de mercadorias, pretende, em compensação, "decidir" quanto ao mercado de trabalho, auxiliado pela atual situação em que a vontade de fazê-lo se exerce, em termos gerais, "depois" da consumação de uma derrota histórica da classe operária. Assim sucedeu no microcosmo da Toyota, em sua origem, onde o novo sistema produtivo se implantou depois de um duríssimo conflito laboral que transformou o sindicato em apêndice da estrutura empresarial. O mesmo esta ocorrendo, agora, a nível internacional. A nova filosofia produtiva é incompatível, em particular, com um mercado de trabalho unificado - plasmado na idéia da universalidade dos direitos sociais - como aquele que se formou na Europa no segundo pós-guerra. Por sua natureza, essa filosofia pressupõe uma estrutura segmentada da força de trabalho e hierarquizada segundo níveis crescentes de fidelidade e obediência.
Pelo menos, pressupõe uma estrutura polarizada, na qual um núcleo relativamente reduzido da classe operária empregada nas produções centrais - qualificada pela pertinência empresarial e com níveis de segurança social elevadíssimos garantidos pela própria empresa -, se contrapõe a um "exército da fortuna" [aspas do tradutor] da força de trabalho "externa" à comunidade da empresa, extremamente móvel, em certos aspectos "nômade" e privada de garantias trabalhistas: homens privados de referencias identitárias, multidão solitária de substitutos eventuais de baixa qualificação, utilizada, sob a lógica da superexploração, não somente em ocupações marginais (como já ocorre, atualmente), mas em segmentos importantes do ciclo produtivo da grande empresa, ombro a ombro com os privilegiados, mas sem seus privilégios.

Um modelo de mercado de trabalho "democrático" tende a passar a um modelo de mercado de trabalho "de casta", estruturado em "corpos separados", cada um deles dotado de um status jurídico diferenciado: "ilhas de trabalho" a serem criadas sobre as ruínas da antiga universalidade. Esse modelo de um novo feudalismo industrial, do qual já se percebem os primeiros sintomas no projeto do governo Dini, é vendida como "medida para sustentar o emprego".

VI
Mas o mercado de trabalho - segmento ainda bastante próximo à esfera da produção - não e a única "instituição social" implicada na revolução produtiva em curso. A "forma-Estado" está destinada a ser afetada por ele. O modelo estatal imperante no século XX - social, do ponto de vista das políticas públicas; keynesiano no plano econômico; nacional, no geopolítico -, se baseava numa forte sinergia com o modelo produtivo fordista. O "compromisso social-democrático" que determinava sua natureza de estado "assistencial", pressupunha uma imagem dualista da estrutura produtiva. A "mediação social", que representava sua "constituição material" reenviava inevitavelmente a uma idéia polarizada do corpo social, a um fundamento classista. Assim, a opção keynesiana focalizava a função estatal na gestão da massa monetária (na produção de renda e sua regulação), pressupondo, desde sempre, a idéia de uma demanda tendencialmente "infinita" do ponto de vista substancial - a lógica da mercadoria -, cujo único limite era a insuficiência dos meios monetários à disposição dos consumidores. Duas características do modelo fordista destinadas a serem questionadas, inclusive com sua parcial superação. E, neste sentido, também parece destinada a entrar em crise a terceira característica do Estado do século XX: seu conteúdo "nacional", obsoleto em muitos aspectos devido aos mais recentes processos da reestruturação capitalista.

A "desterritorialização" dos centros de decisão econômica, como conseqüência da mundialização dos mercados, parece hoje uma tendência consolidada. Assim como parece consolidada a tendência à superação do modelo de "democracia de massas", que se revelou como o tipo ideal de governo no último meio século. Os lugares e as instituições nas quais se definem as linhas mestras de uma economia que só se concebe numa escala planetária são o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, os organismos "técnicos" da Comunidade Econômica Européia, etc. Centros subtraídos ao mecanismo decisional "democrático", concebível, no nível atual da cultura política, no limitado âmbito estruturado em torno do secular processo de formação das identidades nacionais. O resultado é o tendencial vazio "político" da atual "forma-Estado"; o declive do weberiano monopólio do uso legitimo da força e da decisão por parte do Estado-nação e sua transformação: no vértice, em órgão executivo de decisões assumidas em sedes "multinacionais"; na base, desde a "sociedade civil", que tende a se refragmentar em suas identidades originarias. Um processo que, onde a modernização tem ocorrido mais debilmente, menos vinculada ao mercado, vai assumindo a forma de inchaço "étnico". Mas onde, pelo contrario, o contexto é industrialmente avançado, com um mercado plenamente hegemônico com respeito a qualquer outra forma de vínculo social, tende a valorizar centros distintos de estruturação da identidade coletiva, meios mais adequados (mais "modernos") de organização extra-estatal de uma nova esfera pública potencial, começando pela própria empresa, pela estrutura intitucional da unidade produtiva capitalista.

Esses sintomas já foram percebidos, e acredito que se acentuaram: a tradicional divisão do trabalho entre empresa e Estado está entrando em crise. Cada vez mais, a empresa "pós-taylorista" reivindica e se apropria de papéis e funções que anteriormente pertenciam à instituição publica: o de produção de "identidade", em primeiro lugar, fundamental no modelo produtivo japonês (se o que se quer é "mobilizar totalmente" a força de trabalho, faz-se necessário propor a empresa como estrutura de pertencimento decisiva no aspecto da identidade); mas também o fato de assumir uma série de "serviços sociais" essenciais no plano da reprodução da força de trabalho, começando pela assistência sanitária e terminando nas pensões, a formação profissional ou a "garantia" do aluguel. É muito provável que a via em direção a "fábrica integrada", a "empresa total" inscrita no modelo japonês, passe através dessa 'publicidade" da empresa (ou privatização da segurança social). É o que veremos, nos próximos anos, com a multiplicação de fundos empresariais de aposentadorias e pensões, de asilos e outras formas de assistência social, exclusivas e seletivas, reservados à "casta" dos trabalhadores fiéis à empresa, utilizados como instrumentos essenciais de qualquer capital, por menor que seja, para conquistar a hegemonia sobre a força de trabalho. Esta é, precisamente, a essência "política" do pós-fordismo. Partindo desse ponto de vista, as políticas desenvolvidas na Itália de 1992 em diante - da duríssima "manobra Amato", do verão-outono daquele ano, à mais recente reforma das pensões aprovada pelo governo Dini - e que acarretaram um importante redimensionamento do caráter de "sociedade" do Estado, a privatização algo mais do que alguns "pedaços" do capital publico, como inclusive dos critérios de algumas prestações que distinguiam o "Estado assistencial", perdem o aspecto de "provisioriedade" e de ocasionalidade próprios do "estado de emergência", para assumir características de "fase". Não se tratam de medidas preventivas "conjunturais", mas estruturais. Não são apenas andaimes para remendar as brechas abertas no passado, mas alicerces do modelo futuro: um traço característico da "via italiana ao pós-fordismo".

VII
Se, de algum modo, tudo isso é plausível, é preciso concluir agora que boa parte das "formas" políticas assumidas pela esquerda neste século, parecem, senão dissolvidas, sumamente questionadas. Pietro Ingrao, em uma significativa intervenção nessa dura confrontação entre a esquerda e as urgências sociais dos novos tempos, afirmou que "têm sido alcançados os lugares históricos onde se originava a agregação coletiva". Onde se produziam a identidade e a praxis coletiva do movimento operário. E assim é. O movimento operário assumiu como lugares da própria socialização três âmbitos privilegiados: a Fábrica, o Partido de massas e o Sindicato. Os três se encontram fortemente questionados pela atual transição. A fábrica fordista foi - como se tem visto - durante muito tempo um mecanismo extraordinário de reprodução em grande escala da cultura antagonista, em que a serialidade da produção veio recodificada, na fadiga e na opressão, de identidade múltipla até a formação do sujeito coletivo que dominou a cena do conflito social no segundo pós-guerra e que, agora, se converteu no terreno que este se viu forçado a ter que lutar, ante a hegemonia do capital, por migalhas de autonomia individual, enclaves de independência assistencial. Mas também estão os dois instrumentos organizativos tradicionais da ação e da consciência operária: o Partido e o Sindicato, que se constituíram a partir do modelo Estado-nação. E agora, no novo contexto produtivo, quando esse modelo de escala se mostra inadequado por ser demasiado "pequeno" ou por ser demasiado "grande" - insuficiente em suas dimensões para produzir políticas econômicas, excessivo para exercer hegemonia -, tanto o Partido como o Sindicato seguem a mesma sorte que a Fábrica, neutralizados, em sua eficácia, por um capital que tende a "descentralizar" - a reconduzir até mesmo a própria empresa -, no mínimo, duas das prerrogativas que o Estado mantinha até pouco tempo: a sociabilidade e a territorialidade. O Capital que tende a converter-se, de alguma maneira, em Estado, "produzindo", diretamente, assistência e identidade.

VIII
Não acredito que exista uma panacéia que sustente a travessia do deserto das referencias identitárias. Nenhum "projeto orgânico" é suscetível de dotar de capacidade ofensiva a necessidade de resistência. Por muito tempo ainda, temo que nos debateremos entre a defesa de um passado que vai afundando e a busca de uma via que não se mostra. Mesmo assim, estou convencido, dentro de limites razoáveis, de um par de coisas:

A primeira é que, em uma situação como esta, não se pode ficar quieto. Que enquanto o mundo muda debaixo de nossos pés, organizar a resistência não é permanecer imóvel na trincheira. Significa, pelo contrário, buscar saídas. Individuar pontos móveis a partir dos quais reivindicar. "Inventar" novas formas de conflito e de organização, lugares provisórios de agregação, mais adequados à nova articulação fábrica-sociedade-Estado.

A segunda, estreitamente vinculada à primeira, é a resposta ao novo tipo de enfrentamento. A inovação organizativa a experimentar não poderá assumir um só âmbito exclusivo. Não poderá situar-se somente no terreno da fábrica (como ocorreu no ciclo de lutas do final dos anos sessenta e no começo dos anos setenta), nem somente no terreno social, mas deverá atuar num terreno intermediário: no limite entre produção e reprodução. Território fronteiriço que constitui, justamente, o lugar de confluência das linhas mestras da atual reestruturação produtiva. E que é, por sua natureza, um âmbito “desnacionalizado", de raio infinitamente menor do que o da "política nacional", e feito na medida das relações de microcomunidade, nos quais, precisamente, terá de confrontar a hegemonia produtiva, social e existencial do capital.

Definitivamente, se o problema passa hoje por resistir ao poder hegemônico de um capitalismo convertido em totalizante, capaz de usar a gestão do "social" como recurso produtivo; se o que se trata é de combater (e competir) no pouco praticado terreno da constituicão de identidade e naquele tecnicamente escorregadio da gestão da cotidianidade, então os velhos instrumentos organizativos - aqueles que têm dado identidade ao movimento operário do século XX - são hoje insuficientes. Tanto o partido de massas como o sindicato (o primeiro como detentor do monopólio da consciência e o segundo da negociação) assumiam, como condição, o conflito (inscrito na própria estrutura dualista da produção) e a mediação como fim, em um sistema de interesses de soma zero. Trabalhando, o primeiro, para traduzir a mobilização em níveis crescentes de sociabilidade no Estado e, o segundo, em formas limitadas de associabilidade na fábrica (de independência pactuada com respeito à socialização totalizante do capital). Permanecendo ignorada e - numa fase em que a socialidade era sinônimo de estatalidade e a representatividade era garantida per se pelo papel negociador - estranha, a constituição do sujeito coletivo em sua autonomia cotidiana. E hoje a tarefa prioritária parece passar precisamente por ai: pela tentativa de valorizar qualquer elemento de "autonomia"; por enfrentar o projeto hegemônico e, por sua vez, "alienante" do novo modelo industrial, "inventando" circuitos de agregação não mediatizados pela "forma-mercadoria" e, ao mesmo tempo, localizados ali onde o "trabalho" hegemônico opera: no território de uma cotidianidade que questiona, precisamente, os limites entre produção e reprodução, entre fábrica e sociedade.

Formas de cooperação autogeridas segundo critérios solidários, capazes de empregar e educar no e para o autogoverno da vida cotidiana, fora das tradicionais burocracias delegadas; propostas de revalorização dos ofícios e da criatividade funcionando em circuitos não "mercantis", comprometidas com um critério de gratuidade do "fazer", contrapostas à intenção empresarial de valorizar economicamente qualquer forma de criatividade, à mercantilização de qualquer capacidade expressiva; ações positivas, orientadas desde o principio do "faça você mesmo" até a gestão daquelas áreas de sociabilidade em vias de ser abandonadas pelo Estado e reserva tendencial de caça para o capital. Estes são alguns exemplos de um repertório, por hora amplamente insuficiente. Mas sobre os quais vale a pena começar já a trabalhar, e mais ainda numa fase em que se dá, estruturalmente, a possibilidade de uma nova e drástica redução do tempo de trabalho, e, por isso mesmo, a possibilidade de um forte enfrentamento cultural pela hegemonia sobre o tempo social externo à esfera do trabalho organizado.

OITO PONTOS SOBRE A AUTONOMIA OPERÁRIA





Nós, proletários, lutamos pela emancipação total de nossa classe, entendendo por isto a luta contra o sistema capitalista e toda a miséria que ele produz: desemprego, fome, mortes, “acidentes” de trabalho, destruições do ecossistema, etc. Afirmamos que a emancipação total dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores ou não será, e que é nossa a tarefa de romper as cadeias da escravidão capitalista.
A autonomia é uma prática de classe que se manifesta historicamente sempre que a classe operária se torna protagonista: durante a Comuna de Paris, nos conselhos operários da Alemanha, nos sovietes russos, nas inúmeras formas de organização autônoma assumidas pelas revoltas operárias na Hungria e na Polônia, nas práticas de lutas dos trabalhadores radicais nos EUA, nas Assembléias Operárias Autônomas na Espanha e na Itália... Eis por que nosso objetivo é impulsionar, nas lutas, a ação direta e auto-organização da classe operária, objetivo que hoje passa pela formação de comissões autônomas nos locais de trabalho e moradia. Consequentemente, afirmamos que a direção das lutas proletárias cabe inteiramente às assembléias nos locais (de trabalho e/ou moradia) onde se dá o combate à exploração capitalista.

A autonomia operária é também uma forma de luta que torna protagonistas os trabalhadores que reivindicam. Somos pela luta contínua (isto é, não só pelas campanhas salariais, por melhores condições de trabalho, etc.) e pela ação direta como única forma de intervenção massiva dos trabalhadores (greves, sabotagem, piquetes, ocupações e autodefesa).

Lutamos por todas as formas de auto-organização que facilitem a expressão autônoma da classe operária (assembléias, grupos de empresa e territoriais). Portanto, somos contra a divisão do proletariado em diferentes sindicatos, correias de transmissão de partidos e ideologias.

Sabemos que a exploração capitalista é indivisível. Portanto, somos contra a divisão da luta em partes, divisão que atribui aos sindicatos a luta econômica e aos partidos a luta política. A luta proletária deve ser econômica, política e assim deve se expressar as plataformas reivindicativas.

Somos contra a cogestão e todo acordo entre sindicato e empresa, que se realiza pelas costas dos trabalhadores e contra seus interesses. Afirmamos que somente com a mobilização e a luta obteremos o que nos é necessário como classe, além de construir formas de auto-organização mais avançadas.

A autonomia operária enfatiza a centralidade da luta contra as condições de exploração do trabalhador assalariado. Mas não se limita a isso, e, pelo seu caráter de movimento real, termina por abranger todo movimento proletário. Neste desenvolvimento, vemos a potência que suplantará definitivamente a crise capitalista.

A autonomia operária não tem dirigentes nem líderes, e não quer representar uma vanguarda “iluminada”, modelo tão gasto quanto nefasto. Baseia-se unicamente na experiência proletária e é, antes de tudo, uma prática.

“Senza Freni - volante operário da fábrica Ducati-Motor Bologna 2000”