quinta-feira, 27 de maio de 2010

Juiz sugere ao STF ação penal contra Tuma por ocultação do cadáver do preso político Flávio Molina

O juiz Ali Mazloum, titular da 7.ª Vara Criminal Federal em São Paulo, encaminhou ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) ofício de 12 páginas por meio do qual sustenta a necessidade de abertura de ação penal contra o senador Romeu Tuma (PTB-SP) por suposto crime de ocultação de cadáver do Flávio Carvalho Molina.

Capturado e morto há 38 anos por agentes do Destacamento de Operações de Informações/Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), o guerrilheiro teve a certidão de óbito expedida com nome falso. Para Mazloum, Tuma sabia do caso.

O juiz rejeitou manifestação do Ministério Público Federal que no dia 11 propôs arquivamento do inquérito 5988/2008, instaurado pela Polícia Federal com base em representação dos procuradores da República Eugênia Augusta Gonzaga Fávero e Marlon Alberto Weichert.

Ao pedir arquivamento, a procuradora Cristiane Bacha Ganzian Casagrande, que atua perante a 7.ª Vara Federal, destacou "a ocorrência da prescrição punitiva estatal e a ausência de elementos suficientes para fundamentar a acusação dos delitos em exame".

Mas o juiz considera que o crime de ocultação de cadáver não está ao alcance da Lei de Anistia e não prescreveu. Para ele, a Justiça tem tempo hábil para impor punição ao senador que, no auge do regime de exceção, comandava o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Dops).

É a primeira vez que a Justiça Federal adota essa interpretação para decidir sobre casos atribuídos à ditadura.

No expediente ao STF, o juiz anexou um ofício datado de 7 de agosto de 1978, assinado por Tuma na condição de chefe do Dops. Endereçado à 2.ª Auditoria Militar da Marinha, Tuma comunicou o juiz auditor Carlos Augusto Cardoso de Moraes Rego sobre "certidão de óbito expedida em nome de Álvaro Lopes Peralta, nome falso de Flávio Carvalho Molina, que usava ainda os codinomes Fernando, André e Armando". Para Mazloum, o ofício 245/78, subscrito por Tuma, comprova que o senador sabia que Molina, dado como desaparecido, estava morto.

Ele ampara sua decisão em jurisprudências de tribunais superiores. "Trata-se de crime permanente que subsiste até o instante em que o corpo é descoberto, pois ocultar é esconder, sendo irrelevante o tempo em que o cadáver estava escondido."

Para o juiz, "os fatos investigados amoldam-se perfeitamente à hipótese constitucional da imprescritibilidade estabelecida pela Constituição de 1988". A prescrição, se aplicada ao caso, ocorreria apenas em 2013.

Histórico

Militante do MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO POPULAR (MOLIPO).

Nasceu em 8 de novembro de 1947, na Guanabara, filho de Álvaro Andrade Lopes Molina e Maria Helena Carvalho Molina.

Morto aos 24 anos, em 1971, em São Paulo.

Cursou o primário nos colégios São Bento e São José no Rio de Janeiro. Era um apaixonado pelo camping e o alpinismo.

Gostava muito de música clássica e era comum encontrá-lo à noite ouvindo o programa "Primeira Classe", na época produzido pela Rádio Jornal do Brasil.

No período de 1966 e 1967, enquanto cursava o científico no Colégio Mallet Soares, no Rio de Janeiro, iniciou a formação de sua consciência política. Havia muitas manifestações estudantis, por um lado, e muita repressão policial, por outro.

Em 1968 entrou para a Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Praia Vermelha.

Foi preso em manifestação estudantil durante invasão do Campus pela polícia, sendo levado em seguida para o antigo campo de futebol do Botafogo, ao lado do Hospital Rocha Maia, assistindo ali às mais diversas atrocidades cometidas contra moças e rapazes, colegas seus. Foi fichado e solto no dia seguinte.

Em julho de 1969, vendo-se perseguido pelas forças da repressão, já tendo sido indiciado em inquérito na 2ª Auditoria do Exército, do qual foi posteriormente absolvido, e temendo a possibilidade de ser preso novamente, optou por deixar a casa de seus pais, visando não transferir para a família a repressão a ele dirigida. Trancou matrícula na Universidade e passou a viver clandestino, militando na ALN.

Teve sua prisão preventiva solicitada em duas ocasiões, 06 de novembro de 1969 e 30 de janeiro de 1970.

Viveu em Cuba de novembro de 1969 até meados de 1971, quando retornou ao Brasil já como militante do MOLIPO.

Manteve contatos com a família através de encontros ou de cartas, até julho de 1970.

Preso no dia 6 de novembro de 1971, em São Paulo, por agentes do DOI-CODI/SP, em cuja sede foi torturado até a morte.

Nas dependências do DOI/CODI, Flávio foi assassinado sob tortura no dia 7 de novembro de 1971.

Entretanto, a versão oficial é a de que ele teria sido morto ao tentar reagir à prisão.

A primeira informação de sua morte foi em 29 de agosto de 1972, quando "O Globo" e o "Jornal do Brasil" noticiaram o fato como ocorrido em choque com policiais em São Paulo, referindo-se à data retroativa. A família consultou às autoridades quando, então, foi negada a veracidade da notícia.

A prisão e morte de Flávio Molina não foram assumidas pelos órgãos de segurança de imediato.

Sua família tentava desesperadamente alguma notícia, nas prisões e quartéis – tudo em vão. Flávio, já morto, foi processado como revel e, apenas quando do julgamento é que seu nome foi excluído do processo por morte, extinguindo sua punibilidade. Mesmo assim, a família não recebeu qualquer notificação sobre o ocorrido.

Somente em julho de 1979 a família, por investigação própria e com apoio dos Comitês Brasileiros de Anistia, tomou conhecimento de seu assassinato através de documentos oficiais anexados a um processo na 2ª Auditoria da Marinha, sem que jamais tivesse havido uma comunicação, mesmo que informal, a seus familiares.

Nessa documentação, a Auditoria é informada da morte de Flávio, cujo corpo tinha sido enterrado como indigente, em 9 de novembro de 1971, no Cemitério Dom Bosco, em Perus, sob o nome de Álvaro Lopes Peralta. Fica evidente a ocultação premeditada do cadáver de Flávio pelos seus assassinos, como mais uma forma de encobrir a morte sob tortura. Não foi permitido à família sequer retirar os ossos de Flávio pois ele foi sepultado na cova n° 14, Rua 11, Quadra 2, Gleba 1, em Perus, São Paulo, como indigente, em 9 de novembro de 1971, com o nome falso e registro n. 3.054, e transferido para uma vala comum, em 1976.

A requisição de exame necroscópico no IML/SP, sob o n° 43.715, em 16 de novembro de 1971, com a identidade falsa de Álvaro Lopes Peralta já estava associada à sua verdadeira identidade.

Os médicos legistas Renato Capellano e José Henrique da Fonseca procederam à necrópsia.

A certidão de óbito, com o mesmo nome, foi registrada sob o nº 50.741 – fl. 191V – livro C.73, tendo sido declarante Miguel Fernandes Zaninello, indivíduo identificado em outubro de 1990, como tenente da polícia militar reformado, conforme depoimento prestado à CPI da Câmara Municipal de São Paulo, no mesmo mês.

No documento 52-Z-0 – 38.270, dos arquivos do DOPS/SP constam todos os seus dados, bem como nomes falsos e codinomes, inclusive o de Álvaro Lopes Peralta – com o qual foi lavrada a certidão de óbito e enterrado como indigente no Cemitério de Perus. Em documento assinado pelo então Diretor Geral de Polícia do DOPS, Romeu Tuma, encaminhado à Auditoria Militar, está afirmado que a certidão de óbito de foi "expedida em nome de Álvaro Lopes Peralta, nome falso de Flávio Carvalho Molina".

Ofício do CENIMAR n. 0396, de 13/07/70, informa que Flávio Carvalho Molina, usava o nome falso de Alvaro Lopes Peralta, o que demonstra que seu nome verdadeiro era conhecido da polícia bem antes de sua morte e o seu sepultamento com nome falso foi intencional.

Em outubro de 1979, de posse de documentos oficiais, a família abriu processo em São Paulo exigindo retificação de assentamento de óbito e reconstituição de identidade, ganhando a causa em 1981.

Em 9 de outubro de 1981, houve a oportunidade de abrir a vala comum para a família e constatar a existência das ossadas. Percebeu-se naquela ocasião a necessidade de apoio técnico e respaldo político, o que só foi conseguido em 1990.

Em 4 de setembro de 1990, com a abertura da Vala de Perus, as ossadas foram trasladadas para a UNICAMP, onde permaneceram até início de 2000.

Em novembro de 1991, transcorridos 20 anos de sua morte, a família, com toda a garra que caracteriza a busca da justiça, abriu processo contra a União Federal na 17ª Vara da Seccional do Rio de Janeiro, protocolo n° 9101180125, sob responsabilidade do Juiz Wanderley de Andrade Monteiro.

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