segunda-feira, 27 de agosto de 2012

AAUE: ORGANIZAÇÃO UNITÁRIA CONTRA A DIVISÃO ENTRE LUTA POLÍTICA E ECONÔMICA




Diego Negri

A A.A.U.-E. (Allgemeine Arbeiter Union-Einheitsorganization = União Geral dos Trabalhadores – Organização Unitária) formou-se em outubro de 1921, na Alemanha, num contexto social conturbado pelas lutas e greves selvagens. Nos inícios da década de 1920, o sindicalismo alemão (controlado pelos sociais democratas) foi ultrapassado por uma nova prática organizativa: os conselhos operários. Nesta estrutura, os trabalhadores formulavam imediatamente o problema da gestão operária da economia. A social democracia recupera estes conselhos, transformando-os em estrutura de co-gestão entre patrões e operários, mas a potencialidade revolucionária destas estruturas permanece relevante.

A A.A.U.-E. era uma das três principais correntes da esquerda comunista alemã, as outras duas eram o K.A.P.D. e a A.A.U.D. (1). Juntamente com o restante da esquerda comunista alemã, a A.A.U.-E. julgava que a sociedade havia mudado com relação ao século XIX, quando o proletariado formava só uma restrita minoria da sociedade e, então, devia inevitavelmente aliar-se com outras classes. Esse tempo havia passado, o proletariado - ao menos nos países desenvolvidos do ocidente - constituía agora a maioria da população, portanto acontecera uma nítida separação entre burguesia e proletariado, polarizando os respectivos interesses. A revolução estava na ordem do dia (basta recordar as análises sobre a ruína do capitalismo, elaboradas nos anos 20 e 30). Esta mudança social alterava também a concepção do movimento comunista. O movimento comunista era a ação autônoma dos operários, que se auto-organizavam em conselhos contra as estruturas burguesas e/ou de mediação: o sindicalismo e a luta parlamentar. Enquanto o K.A.P.D. e a A.A.U.D. mantinham intacta a divisão entre política e economia (partido e sindicato), a A.A.U.-E. pensava numa superação deste dualismo. Queria edificar uma grande organização unitária cujas tarefas seriam conduzir a luta prática dirigida pelas massas e, mais tarde, assumir a gestão da sociedade baseada no sistema dos conselhos operários. A A.A.U.-E. era contra os partidos porque nenhum deles podia substituir o proletariado, e este deveria superar por si mesmo suas deficiências. Embora muito semelhante à I.W.W. (Industrial Workers of the World: Trabalhadores Industriais do Mundo, organização sindicalista revolucionária), organizando os operários por empresa e não por categoria, era diferente dela porque considerava necessário um poder político especificamente operário. Apesar das diferenças de posição política geral, uma parte do movimento anarco-sindicalista alemão (muito numeroso na época) colaborou com a A.A.U.-E. nas lutas, influenciou-a e foi influenciado por ela.

O antiautoritarismo e a democracia direta operária eram a base da organização. Todavia, esta experiência duraria pouco (até 1923), sendo destroçada pela repressão social-democrata e por uma avaliação equivocada da fase social (a suposta ruína do capitalismo que tornava iminente a saída revolucionária). Foi uma das primeiras organizações de esquerda a condenar o bolchevismo, denunciando-o como sistema econômico burguês e contra-revolucionário. As elaborações teóricas da A.A.U.-E. se encontram principalmente na revista Die Aktion e nos opúsculos de Otto Ruhle, o maior teórico alemão do comunismo de conselhos. Pannekoek (2), embora tenha se mantido afastado de qualquer organização depois de 1920, demonstrou sua afinidade com a A.A.U.-E. escrevendo: “A idéia de que devam existir duas diferentes organizações de operários é falsa.” Esta concepção organizativa unitária será retomada durante as lutas surgidas em 1968 e 1977, negando porém os aspectos gestionários e produtivistas de tal modelo.

LINHAS DE ORIENTAÇÃO PARA A A.A.U.-E. ( extraídas de Die Aktion n. 41/42 – 1921)
TESES: (3)

1. A A.A.U.-E. é a organização unitária política e econômica do proletariado revolucionário.

2. A A.A.U.-E. luta pelo comunismo, a socialização da produção e dos bens de consumo produzidos. A A.A.U.-E. quer estabelecer a produção e a distribuição planificadas no lugar das atuais produção e distribuição capitalistas.

3. O objetivo final da A.A.U.-E. é a sociedade em que todos os poderes foram abolidos, o caminho para esta sociedade passa pela ditadura do proletariado. É a vontade dos operários que determina exclusivamente a organização política e econômica da sociedade comunista graças à organização dos conselhos.

4. As tarefas mais urgentes da A.A.U.-E. são: a) destruição dos sindicatos e partidos políticos, principais obstáculos à unificação da classe proletária e ao posterior desenvolvimento da revolução social, que não pode ser tarefa de partido ou sindicato; b) união do proletariado revolucionário nas empresas, células da produção, fundamento da sociedade futura. c) desenvolvimento da autoconsciência e da solidariedade entre trabalhadores; d) preparação de todas as medidas que serão necessárias para a edificação política e econômica.

5. A A.A.U.-E. rejeita todos os métodos reformistas e oportunistas de combate, opõe-se a qualquer participação no parlamento e nos conselhos de empresa legais, porque tal participação significa sabotar a idéia dos conselhos.

6. A A.A.U.-E. rejeita fundamentalmente todos os dirigentes profissionais. A revolução não pode depender dos autodesignados dirigentes atuando como conselheiros.

7. Todas as funções na A.A.U.-E. são voluntárias.

8. A A.A.U.-E. considera o combate de libertação do proletariado não como uma questão nacional, mas como uma tarefa internacional. Por isso, a A.A.U.-E. se esforça para conseguir a união do conjunto do proletariado mundial numa internacional dos conselhos.

NOTAS:

(1) O K.A.P.D. (Partido Operário Comunista da Alemanha) foi fundado em 1921. Contrário ao parlamentarismo e ao sindicalismo, em desacordo com as posições bolcheviques sobre o partido. Concebe-se como minoria operária comunista que propagandeia teórica e praticamente a revolta e a formação de conselhos operários revolucionários. A A.A.U.D. (União Geral dos Trabalhadores da Alemanha), fundada em 1920, é a organização econômica do K.A.P.D.. Baseia-se em dois conceitos: a) os operários se unem por empresa; b) as organizações de empresa se agrupam por região industrial. A A.A.U.D. se vê como embrião dos conselhos operários revolucionários.

(2) Pannekoek, Anton (1873-1960) – holandês, foi um dos maiores teóricos do comunismo de conselhos.
(3) Estas teses foram apresentadas pelos distritos de Saxe Oriental e de Hamburgo à 4ª Conferências da A.A.U.D. (Junho de 1921). Foram adotadas como definitivas pela 1ª Conferência Autônoma da Oposição em Outubro de 1921.

Tradução livre (resumida e adaptada) feita pelo coletivo de tradutores do Grupo Autonomia.

Biblioteca virtual revolucionária

OITO HIPÓTESES SOBRE O PÓS-FORDISMO




De: Marco Revelli, Le Due Destre, Bollati Boringhieri, Torino 1996.


Em períodos de decadência, como o atual, de pouco servem a rotina intelectual e as pequenas manobras do pensamento. Nesses períodos, vale a pena tentar, de algum modo, refletir sobre a crise em termos radicais. Em nosso caso, tentar pensar a reestruturação produtiva e social em curso, pressupondo que este fim de século - este tumultuoso desenlace do século vinte - não é uma simples "expressão cronológica", nem um reajuste conjuntural dentro da normalidade, mas assume, do principio ao fim, a forma de uma ruptura histórica. De um "salto de paradigma" que, por assim dizer, assinala, como tal, uma descontinuidade profunda em todos os níveis: cultural, social, político. E nos obriga a reconstruir, pela base, modelos organizativos, identidades coletivas, categorias interpretativas, linguagens.

Será possível "pensar politicamente" uma transição tão radical quando, como agora, mal começou? Quando falta inclusive o vocabulário para "nomeá-la"? Creio que sim, mas sob três condições.

A primeira passa pela consciência do risco implícito em uma operação de tal envergadura. Pensar radicalmente o futuro implica uma dose "desproporcional" de experimentalidade, de simulação, ser iconoclastas em certos momentos; um desapego "irresponsável" a respeito das contingências do existente, como se a isso já estivesse habituado num momento em que o antigo conflito ainda não foi resolvido e a partida continua, por assim dizer, jogando-se formalmente (e nunca como agora tão dramaticamente). Como imaginar as hipotéticas linhas de ação do amanhã sem esvaziar de sentido as formas concretas da resistência atual?

A segunda condição passa pela consciência do caráter fragmentário, provisório, sistematicamente autocontraditório das analises a propor. Em um contexto em que o inédito e o banal se entrelaçam de modo inextricável, convivendo um ao lado do outro, cada fragmento de descontinuidade descoberto pode ser novamente enterrado e desmentido por continuidades muito mais fortes, qualquer emergência do novo pode ser questionada por infinitas confirmações de eternos retornos.

E quando, se o que buscamos é confirmação, nem a praxis pode vir em nossa ajuda, faz-se necessário apostar. E apostando, apostar também, desde o momento em que, na mobilidade absoluta do real, é necessário para começar - ainda que somente fosse como opção de método - um ponto fixo, por um ponto de apoio - e esta é a terceira condição para nossa analise: uma perspectiva estrategicamente situada.

I
Segundo penso, a aposta (dupla) é esta: no "afundamento de todos os valores" pode se manter no mínimo um elemento da "velha" leitura da relação marxiana entre estrutura-superestrutura: a opção por continuar buscando, apesar de tudo, aquilo que se chamou a "composição técnica do Capital" em sua articulação com a "composição política de classe", no sentido da atual mutação, no "lugar" de uma analise racional do existente. Também penso que o respeito desse ponto de vista particular - "continuista", não o nego -, nos leva, contudo, a excluir qualquer possibilidade de continuismo político-institucional. Permanece, pois, num marco consolidado, para confirmar, não obstante, a rápida e irreversível dissolução do "nosso mundo' (do contexto em que se constituiu a "política social' do século XX), e a emergência de um novo cenário, no qual a interrelação entre capital, trabalho, Estado e formas organizadas da política e do conflito se dá de um modo inédito. No qual, acima de tudo, parece consumar-se a crise todas as CULTURAS maiores de nosso século: aquela "técnica" do Capital em sua forma "fordista-taylorista", e aquela política do Movimento Operário, em sua acepção "socialista", e do "compromisso social" que ambas culturas estabeleceram entre si.

A hipótese deste trabalho é a seguinte: nos encontramos frente a uma dessas crises que Gramsci definia como "orgânica" (com razão se poderia invocar o espírito do americanismo e fordismo para dar conta da dimensão dos níveis implicados nela). Um transito "epocal", no qual se entrelaçam, na atualidade, o fim de um longo ciclo técnico e organizativo de acumulação do Capital e, ao mesmo tempo, o fim - a ruptura histórica - da "tradição do movimento operário" ( pelo menos em sua "tradição" política mais recente, que remonta, aproximadamente, ao primeiro conflito mundial). Isto é: a dissolução da "forma" que a produção capitalista assumiu em nosso século (fundada na centralidade absorvente da grande fábrica e no desligamento de um domínio de sua racionalidade estratégica sobre toda a retícula social), e o esgotamento da experiência histórica do movimento operário (combinação de partido de massas e de "Estado social", de organização geral e de estatatização).

É significativo que um técnico do capital como Taiichi Ohno (pai da denominada "produção flexível", da fábrica integrada e do espírito Toyota) e André Gorz, intelectual "orgânico" do que sobrou da esquerda européia, coincidam, no fundo, desde pontos de vista contrapostos, na mesma constatação radical: a necessidade de pensar ao revés. Em fazer eco de uma brusca ruptura em relação com os respectivos modelos de referencia, um constatando - do ponto de vista do capital - o fim do modelo produtivo baseado na "produção em massa" e a necessidade de subverter completamente a velha filosofia produtiva fordista-taylorista; o outro constatando - do ponto de vista do movimento operário - a consumação do "fim do socialismo" como "ordem social existente" e como "modelo de sociedade realizável". O primeiro para proclamar o imperativo, por parte da empresa, de assimilar integralmente a subjetividade do trabalho, convertendo-o em um fator diretamente produtivo; o segundo para constatar o eclipse do trabalho como fator constitutivo da subjetividade operária, sua dissolução como elemento básico da identidade coletiva. A leitura paralela de ambos nos diz o quanto, efetivamente e doravante, as capacidades produtivas - determinadas pelas inovações tecnológicas (dos anos setenta e oitenta) e a sucessiva reestruturação organizativa, resumida na fórmula "qualidade total", naquilo que se convencionou chamar de trânsito ao "pós-fordismo" - têm sido modificadas juntamente com as condições gerais da produção capitalista, isto é: seu "paradigma produtivo". E, ao mesmo tempo, até que ponto tudo isto tem transformado radicalmente as condições do conflito social e suas formas políticas.

II
Qual é a natureza efetiva do pós-fordismo? E qual é sua descontinuidade real com relação ao modelo produtivo precedente? Creio que tem uma certa razão aqueles que lêem, na transformação tecnológica e organizativa em curso, uma radicalização do modelo fordista-taylorista. Algumas de suas características de tipo "integrista" e mais opressivas são levadas ao extremo. No modelo da "fábrica integrada", do just in time, na fábrica que funciona a zero stock, sem almoxarifados residuais, com tempos totalmente sincronizados em cada um de seus segmentos, realiza-se, com efeito, o sonho "inacabado" de Henry Ford: a idéia de um fluxo produtivo contínuo e total que abarque todas as fases da produção ao mesmo tempo, que faça palpitar o conjunto do aparato produtivo no mesmo ritmo. Uma idéia que leva às últimas conseqüências o principio de conversão absoluta dos "tempos vivos" da força de trabalho em tempos produtivos, e que acentua, mais do que reduz, o grau de dependência do trabalhador na relação sistêmica do processo produtivo. Idéia que reenvia a uma lógica 'taylorista" - isto é: a submeter - em termos formalizados e pré-definidos, num âmbito de total sincronia entre todas as funções produtivas - setores tradicionalmente "externos" ao "sistema de fábrica" (por exemplo: os empregados em transporte, de unidade produtiva a unidade produtiva, ou o pessoal do sistema logístico). O que dramatiza mais que estimula, enfim, a questão de "domínio" sobre a força de trabalho (o "sistema" é aqui muito mais vulnerável do que o precedente a qualquer "assincronia", por menor que seja). Neste sentido, pode-se falar de uma forma de "intensificação" do velho modelo produtivo e não, certamente, de sua superação.

Isto - especialmente na Itália e mais especificamente na Fiat, onde o caminho a nova filosofia produtiva implica um elevado grau de compromisso - sem menosprezar fortes "resistências" estruturais, com a antiga filosofia (um modelo produtivo que tem sempre forçado o caráter centralista-burocrático do fordismo-taylorismo, uma estrutura hierárquica sem espaço para a autonomia e fundada numa cultura obsessiva do mando e da desconfiança). E ali onde, durante mais de uma década, acreditou-se levar a cabo uma revolução tecnológica radical sem mudar a estrutura organizativa preexistente. Ou seja: permanecendo todos esse elementos de "continuidade". Creio, por outro lado, que também pode-se afirmar que, PELO MENOS EM DOIS ASPECTOS, a nova filosofia produtiva marca uma forte descontinuidade com relação ao modelo precedente.

III
O primeiro aspecto faz referência a relação "fábrica-sociedade". Ou, se se prefere, a relação com o mercado. O fordismo se fundava no domínio absoluto da fábrica sobre a sociedade. Enquanto forma de organização típica da "produção em massa" (do modelo produtivo onde quem produz "sabe" ter à sua disposição um mercado quase ilimitado em que a oferta sempre será inferior à demanda), esta não devia "obedecer" ao ambiente externo, pelo contrario, podia permitir-se "modelá-lo". Definindo tipos de produtos e volumes de produção "autonomamente", exclusivamente baseados nos próprios parâmetros produtivos. A programação da empresa poderia, assim, pensar a sociedade como uma variável dependente, como objeto de programação, segundo a idéia de um fluxo linear que, dentro da direção da fábrica, do coração da produção, descenderia ao longo de todo o ciclo produtivo e daria, finalmente, forma ao mercado, “submetendo-o" à própria racionalidade técnica do mesmo modo como submetia a força de trabalho. Assim funcionava o fordismo: da fábrica para a sociedade, num fluxo de sentido único. A própria cidade fordista, a company town, não era mais que uma extensão da fábrica, seguia seus ritmos, seus horários, assumia seus estilos de vida e suas formas de domínio.

O novo modelo produtivo, por outro lado, deve enfrentar uma situação totalmente diferente: um mercado "maduro" e de limites bem definidos; um mercado "finito", por assim dizer, saturado em seus segmentos fortes, e onde a oferta deve medir-se com a variabilidade de uma demanda cada vez mais seletiva e freqüentemente imprevisível. Assim tem sido nos últimos anos. Anos em que a mundialização do mercado não acarretou, paradoxalmente, uma extensão ilimitada da capacidade de absorção de mercadorias por este, mas pelo contrario, tornou manifesta sua rigidez, a saturação tendencial implícita no seu desenvolvimento (também por causa da manifestação de limites "naturais - ou seja: ecológicos - que prejudicam estruturalmente o "terceiro mundo", a maioria da população mundial, bloqueando seu acesso às formas e aos níveis de consumo do Ocidente). E assim será no futuro. Este novo modelo produtivo deverá enfrentar, cada vez em maior medida, a crise de consumo que já começa a ocorrer atualmente, a "nova desordem" mundial conseqüência da improgramável mobilidade dos mercados, causa real da "derrota histórica" do fordismo e elemento que tem destruído o sonho de uma simples evolução do modelo por via tecnológica. A fábrica deve enfrentar agora uma sociedade que já não absorve tudo que ela produz, que não permite a manobra tradicional de diminuir custos aumentando o volume da produção. Uma sociedade que "resiste" ao domínio da racionalidade instrumental própria da esfera produtiva, que não aceita uma programação linear e obriga a estrutura produtiva a adequar-se ao "capricho" do mercado. E, determinada pelas modificações do "ambiente externo", a "vibrar", por assim dizer, com o mercado, modificando suas atitudes, a combinação de máquinas e homens na esfera produtiva, e mesmo os níveis de produtividade. Já não é a ordem produtiva o que "coloniza" a sociedade, que reduz qualquer âmbito à sua geometria, mas é a desordem social (as volúveis "preferencias do cliente") que irrompe na fábrica, forçando suas estruturas a uma "mobilidade" cada vez maior, a uma capacidade de resposta cada vez mais fluida. Não é Marx quem naufraga aqui, mas Weber e sua idéia de racionalidade instrumental como possibilidade de programação e cálculo, construção de FORMAS regulares ao abrigo das perturbações da subjetividade; não é a crítica do século XIX á fábrica mecanizada que se esgota, mas o absolutismo do século XX, com seu estatuto técnico como pretensa forma universal da racionalidade.

IV
O segundo aspecto mencionado faz referência à relação com a força de trabalho. O taylorismo, como filosofia produtiva, assumia como pressuposto a idéia de uma "resistência" operária estrutural ao emprego de trabalho. Partia da existência de um "segundo mundo" na fábrica, diferente e separado da ordem da empresa, governado pelo seu próprio código de honra e por leis especificas não-escritas, e determinado a escamotear a própria força de trabalho, a retardar as operações, a sobretudo, "ocultar", sua potência produtiva real a hierarquia da fábrica. Para reagir contra isso, devia servir, precisamente, a "ciência do trabalho": para vencer a "preguiça natural" operária; para restituir ao patrão o conhecimento do processo produtivo, acabando com o monopólio do conhecimento sobre os ofícios possuído pelos trabalhadores. A fábrica taylorista era uma estrutura produtiva feroz, despótica, agressiva, porque era "dualista". Porque se baseava na idéia de uma separação e de uma contraposição estrutural entre os principais sujeitos produtivos. A fábrica incorporava, em sua "constituição", o conflito, a relação de forças. Para superá-lo, certamente; para dissolvê-lo na universalidade objetiva da ciência, mas não sem um resíduo irredutível em sua formulação: a alteridade operária dentro do sistema de máquinas era o princípio oculto do taylorismo.

A teoria da "fábrica integrada", em troca, pressupõe, filosoficamente, a idéia de uma estrutura produtiva "monística". De uma comunidade de fábrica unificada e homologada na qual o trabalhador deve consciente e voluntariamente "liberar" a própria inteligência no processo produtivo, conjugando funções executivas com prestações de controle e projeção, identificando os defeitos em tempo real e participando diretamente na redefinição da estrutura do processo produtivo, em relação com as variações da demanda. Entre força de trabalho e direção de empresa deve estabelecer-se uma continuidade cultural, existencial, um sentir comum, que não admita fraturas. Se a fábrica taylorista se fundamentava no "despotismo", esta aspira a "hegemonia". Se aquela usava a força, esta joga com a astúcia. Se aquela tentava dissolver a identidade operária, ou, no mínimo, controlá-la, esta se propõe a muito mais: procura "construir" uma identidade coletiva totalmente nova, enraizada no território da fábrica, coincidente, em seus limites, com o universo da empresa. Aqui não se trata de forçar uma massa "inerte" a fornecer trabalho bruto (energia produtiva). Trata-se, isto sim, de obter dela fidelidade e disponibilidade, e de levar a cabo uma "mobilização total" da força de trabalho que ative suas capacidades intelectuais e seus resíduos de criatividade. Trata-se, pois, de subjugar ao capital a dimensão existencial, subjetiva, da força de trabalho. Assim, também, de fazer do pertencimento à empresa a única subjetividade possível. E, em muitos aspectos, o corolário inevitável do que foi dito anteriormente: se de fato a fábrica deve "vibrar com o mercado", se sua morfologia (a estrutura do processo produtivo, a organização de equipes, as formas da divisão técnica do trabalho) deve modificar-se à cada modificação da demanda, não pode admitir uma força de trabalho "passiva". É imprescindível "politizar empresarialmente" o trabalho diretamente produtivo, exercer "hegemonia" sobre o antigo adversário "de classe".

V
Não creio que o impacto das "novas" características do pós-fordismo possam ser limitadas ao âmbito da fábrica. Como já ocorreu na transição das fases taylorista e fordista, é mais provável que as tensões geradas na esfera produtiva tendam a repercutir sobre todas as relações sociais, abalando equilíbrios consolidados, modificando instituições, estruturas, comportamentos, formas de mediação e conflito.

O primeiro terreno no qual isto se produzirá será - já é perceptível atualmente - o do "mercado de trabalho". Aqui, a questão se põe em termos opostos àqueles do "mercado de mercadorias": passa-se de uma posição de "dependência" da fábrica com respeito a estrutura do mercado de trabalho a uma posição de "domínio". Se no modelo da "produção em massa" o sistema dependia de um mercado de trabalho tendencialmente em situação de "plena ocupação"; se a fábrica fordista devia enfrentar uma oferta de força de trabalho relativamente limitada em sua dimensão quantitativa e, sobretudo, "dada" em suas características profissionais, devendo adaptar os próprios códigos produtivos à "qualidade" da mão-de-obra disponível, agora, no novo modelo, o sistema produtivo deve criar seu próprio mercado de trabalho ideal. Modelar a estrutura da força de trabalho, redefinindo as relações internas e sua estratificação. Incapaz de determinar o mercado de mercadorias, pretende, em compensação, "decidir" quanto ao mercado de trabalho, auxiliado pela atual situação em que a vontade de fazê-lo se exerce, em termos gerais, "depois" da consumação de uma derrota histórica da classe operária. Assim sucedeu no microcosmo da Toyota, em sua origem, onde o novo sistema produtivo se implantou depois de um duríssimo conflito laboral que transformou o sindicato em apêndice da estrutura empresarial. O mesmo esta ocorrendo, agora, a nível internacional. A nova filosofia produtiva é incompatível, em particular, com um mercado de trabalho unificado - plasmado na idéia da universalidade dos direitos sociais - como aquele que se formou na Europa no segundo pós-guerra. Por sua natureza, essa filosofia pressupõe uma estrutura segmentada da força de trabalho e hierarquizada segundo níveis crescentes de fidelidade e obediência.
Pelo menos, pressupõe uma estrutura polarizada, na qual um núcleo relativamente reduzido da classe operária empregada nas produções centrais - qualificada pela pertinência empresarial e com níveis de segurança social elevadíssimos garantidos pela própria empresa -, se contrapõe a um "exército da fortuna" [aspas do tradutor] da força de trabalho "externa" à comunidade da empresa, extremamente móvel, em certos aspectos "nômade" e privada de garantias trabalhistas: homens privados de referencias identitárias, multidão solitária de substitutos eventuais de baixa qualificação, utilizada, sob a lógica da superexploração, não somente em ocupações marginais (como já ocorre, atualmente), mas em segmentos importantes do ciclo produtivo da grande empresa, ombro a ombro com os privilegiados, mas sem seus privilégios.

Um modelo de mercado de trabalho "democrático" tende a passar a um modelo de mercado de trabalho "de casta", estruturado em "corpos separados", cada um deles dotado de um status jurídico diferenciado: "ilhas de trabalho" a serem criadas sobre as ruínas da antiga universalidade. Esse modelo de um novo feudalismo industrial, do qual já se percebem os primeiros sintomas no projeto do governo Dini, é vendida como "medida para sustentar o emprego".

VI
Mas o mercado de trabalho - segmento ainda bastante próximo à esfera da produção - não e a única "instituição social" implicada na revolução produtiva em curso. A "forma-Estado" está destinada a ser afetada por ele. O modelo estatal imperante no século XX - social, do ponto de vista das políticas públicas; keynesiano no plano econômico; nacional, no geopolítico -, se baseava numa forte sinergia com o modelo produtivo fordista. O "compromisso social-democrático" que determinava sua natureza de estado "assistencial", pressupunha uma imagem dualista da estrutura produtiva. A "mediação social", que representava sua "constituição material" reenviava inevitavelmente a uma idéia polarizada do corpo social, a um fundamento classista. Assim, a opção keynesiana focalizava a função estatal na gestão da massa monetária (na produção de renda e sua regulação), pressupondo, desde sempre, a idéia de uma demanda tendencialmente "infinita" do ponto de vista substancial - a lógica da mercadoria -, cujo único limite era a insuficiência dos meios monetários à disposição dos consumidores. Duas características do modelo fordista destinadas a serem questionadas, inclusive com sua parcial superação. E, neste sentido, também parece destinada a entrar em crise a terceira característica do Estado do século XX: seu conteúdo "nacional", obsoleto em muitos aspectos devido aos mais recentes processos da reestruturação capitalista.

A "desterritorialização" dos centros de decisão econômica, como conseqüência da mundialização dos mercados, parece hoje uma tendência consolidada. Assim como parece consolidada a tendência à superação do modelo de "democracia de massas", que se revelou como o tipo ideal de governo no último meio século. Os lugares e as instituições nas quais se definem as linhas mestras de uma economia que só se concebe numa escala planetária são o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, os organismos "técnicos" da Comunidade Econômica Européia, etc. Centros subtraídos ao mecanismo decisional "democrático", concebível, no nível atual da cultura política, no limitado âmbito estruturado em torno do secular processo de formação das identidades nacionais. O resultado é o tendencial vazio "político" da atual "forma-Estado"; o declive do weberiano monopólio do uso legitimo da força e da decisão por parte do Estado-nação e sua transformação: no vértice, em órgão executivo de decisões assumidas em sedes "multinacionais"; na base, desde a "sociedade civil", que tende a se refragmentar em suas identidades originarias. Um processo que, onde a modernização tem ocorrido mais debilmente, menos vinculada ao mercado, vai assumindo a forma de inchaço "étnico". Mas onde, pelo contrario, o contexto é industrialmente avançado, com um mercado plenamente hegemônico com respeito a qualquer outra forma de vínculo social, tende a valorizar centros distintos de estruturação da identidade coletiva, meios mais adequados (mais "modernos") de organização extra-estatal de uma nova esfera pública potencial, começando pela própria empresa, pela estrutura intitucional da unidade produtiva capitalista.

Esses sintomas já foram percebidos, e acredito que se acentuaram: a tradicional divisão do trabalho entre empresa e Estado está entrando em crise. Cada vez mais, a empresa "pós-taylorista" reivindica e se apropria de papéis e funções que anteriormente pertenciam à instituição publica: o de produção de "identidade", em primeiro lugar, fundamental no modelo produtivo japonês (se o que se quer é "mobilizar totalmente" a força de trabalho, faz-se necessário propor a empresa como estrutura de pertencimento decisiva no aspecto da identidade); mas também o fato de assumir uma série de "serviços sociais" essenciais no plano da reprodução da força de trabalho, começando pela assistência sanitária e terminando nas pensões, a formação profissional ou a "garantia" do aluguel. É muito provável que a via em direção a "fábrica integrada", a "empresa total" inscrita no modelo japonês, passe através dessa 'publicidade" da empresa (ou privatização da segurança social). É o que veremos, nos próximos anos, com a multiplicação de fundos empresariais de aposentadorias e pensões, de asilos e outras formas de assistência social, exclusivas e seletivas, reservados à "casta" dos trabalhadores fiéis à empresa, utilizados como instrumentos essenciais de qualquer capital, por menor que seja, para conquistar a hegemonia sobre a força de trabalho. Esta é, precisamente, a essência "política" do pós-fordismo. Partindo desse ponto de vista, as políticas desenvolvidas na Itália de 1992 em diante - da duríssima "manobra Amato", do verão-outono daquele ano, à mais recente reforma das pensões aprovada pelo governo Dini - e que acarretaram um importante redimensionamento do caráter de "sociedade" do Estado, a privatização algo mais do que alguns "pedaços" do capital publico, como inclusive dos critérios de algumas prestações que distinguiam o "Estado assistencial", perdem o aspecto de "provisioriedade" e de ocasionalidade próprios do "estado de emergência", para assumir características de "fase". Não se tratam de medidas preventivas "conjunturais", mas estruturais. Não são apenas andaimes para remendar as brechas abertas no passado, mas alicerces do modelo futuro: um traço característico da "via italiana ao pós-fordismo".

VII
Se, de algum modo, tudo isso é plausível, é preciso concluir agora que boa parte das "formas" políticas assumidas pela esquerda neste século, parecem, senão dissolvidas, sumamente questionadas. Pietro Ingrao, em uma significativa intervenção nessa dura confrontação entre a esquerda e as urgências sociais dos novos tempos, afirmou que "têm sido alcançados os lugares históricos onde se originava a agregação coletiva". Onde se produziam a identidade e a praxis coletiva do movimento operário. E assim é. O movimento operário assumiu como lugares da própria socialização três âmbitos privilegiados: a Fábrica, o Partido de massas e o Sindicato. Os três se encontram fortemente questionados pela atual transição. A fábrica fordista foi - como se tem visto - durante muito tempo um mecanismo extraordinário de reprodução em grande escala da cultura antagonista, em que a serialidade da produção veio recodificada, na fadiga e na opressão, de identidade múltipla até a formação do sujeito coletivo que dominou a cena do conflito social no segundo pós-guerra e que, agora, se converteu no terreno que este se viu forçado a ter que lutar, ante a hegemonia do capital, por migalhas de autonomia individual, enclaves de independência assistencial. Mas também estão os dois instrumentos organizativos tradicionais da ação e da consciência operária: o Partido e o Sindicato, que se constituíram a partir do modelo Estado-nação. E agora, no novo contexto produtivo, quando esse modelo de escala se mostra inadequado por ser demasiado "pequeno" ou por ser demasiado "grande" - insuficiente em suas dimensões para produzir políticas econômicas, excessivo para exercer hegemonia -, tanto o Partido como o Sindicato seguem a mesma sorte que a Fábrica, neutralizados, em sua eficácia, por um capital que tende a "descentralizar" - a reconduzir até mesmo a própria empresa -, no mínimo, duas das prerrogativas que o Estado mantinha até pouco tempo: a sociabilidade e a territorialidade. O Capital que tende a converter-se, de alguma maneira, em Estado, "produzindo", diretamente, assistência e identidade.

VIII
Não acredito que exista uma panacéia que sustente a travessia do deserto das referencias identitárias. Nenhum "projeto orgânico" é suscetível de dotar de capacidade ofensiva a necessidade de resistência. Por muito tempo ainda, temo que nos debateremos entre a defesa de um passado que vai afundando e a busca de uma via que não se mostra. Mesmo assim, estou convencido, dentro de limites razoáveis, de um par de coisas:

A primeira é que, em uma situação como esta, não se pode ficar quieto. Que enquanto o mundo muda debaixo de nossos pés, organizar a resistência não é permanecer imóvel na trincheira. Significa, pelo contrário, buscar saídas. Individuar pontos móveis a partir dos quais reivindicar. "Inventar" novas formas de conflito e de organização, lugares provisórios de agregação, mais adequados à nova articulação fábrica-sociedade-Estado.

A segunda, estreitamente vinculada à primeira, é a resposta ao novo tipo de enfrentamento. A inovação organizativa a experimentar não poderá assumir um só âmbito exclusivo. Não poderá situar-se somente no terreno da fábrica (como ocorreu no ciclo de lutas do final dos anos sessenta e no começo dos anos setenta), nem somente no terreno social, mas deverá atuar num terreno intermediário: no limite entre produção e reprodução. Território fronteiriço que constitui, justamente, o lugar de confluência das linhas mestras da atual reestruturação produtiva. E que é, por sua natureza, um âmbito “desnacionalizado", de raio infinitamente menor do que o da "política nacional", e feito na medida das relações de microcomunidade, nos quais, precisamente, terá de confrontar a hegemonia produtiva, social e existencial do capital.

Definitivamente, se o problema passa hoje por resistir ao poder hegemônico de um capitalismo convertido em totalizante, capaz de usar a gestão do "social" como recurso produtivo; se o que se trata é de combater (e competir) no pouco praticado terreno da constituicão de identidade e naquele tecnicamente escorregadio da gestão da cotidianidade, então os velhos instrumentos organizativos - aqueles que têm dado identidade ao movimento operário do século XX - são hoje insuficientes. Tanto o partido de massas como o sindicato (o primeiro como detentor do monopólio da consciência e o segundo da negociação) assumiam, como condição, o conflito (inscrito na própria estrutura dualista da produção) e a mediação como fim, em um sistema de interesses de soma zero. Trabalhando, o primeiro, para traduzir a mobilização em níveis crescentes de sociabilidade no Estado e, o segundo, em formas limitadas de associabilidade na fábrica (de independência pactuada com respeito à socialização totalizante do capital). Permanecendo ignorada e - numa fase em que a socialidade era sinônimo de estatalidade e a representatividade era garantida per se pelo papel negociador - estranha, a constituição do sujeito coletivo em sua autonomia cotidiana. E hoje a tarefa prioritária parece passar precisamente por ai: pela tentativa de valorizar qualquer elemento de "autonomia"; por enfrentar o projeto hegemônico e, por sua vez, "alienante" do novo modelo industrial, "inventando" circuitos de agregação não mediatizados pela "forma-mercadoria" e, ao mesmo tempo, localizados ali onde o "trabalho" hegemônico opera: no território de uma cotidianidade que questiona, precisamente, os limites entre produção e reprodução, entre fábrica e sociedade.

Formas de cooperação autogeridas segundo critérios solidários, capazes de empregar e educar no e para o autogoverno da vida cotidiana, fora das tradicionais burocracias delegadas; propostas de revalorização dos ofícios e da criatividade funcionando em circuitos não "mercantis", comprometidas com um critério de gratuidade do "fazer", contrapostas à intenção empresarial de valorizar economicamente qualquer forma de criatividade, à mercantilização de qualquer capacidade expressiva; ações positivas, orientadas desde o principio do "faça você mesmo" até a gestão daquelas áreas de sociabilidade em vias de ser abandonadas pelo Estado e reserva tendencial de caça para o capital. Estes são alguns exemplos de um repertório, por hora amplamente insuficiente. Mas sobre os quais vale a pena começar já a trabalhar, e mais ainda numa fase em que se dá, estruturalmente, a possibilidade de uma nova e drástica redução do tempo de trabalho, e, por isso mesmo, a possibilidade de um forte enfrentamento cultural pela hegemonia sobre o tempo social externo à esfera do trabalho organizado.

OITO PONTOS SOBRE A AUTONOMIA OPERÁRIA





Nós, proletários, lutamos pela emancipação total de nossa classe, entendendo por isto a luta contra o sistema capitalista e toda a miséria que ele produz: desemprego, fome, mortes, “acidentes” de trabalho, destruições do ecossistema, etc. Afirmamos que a emancipação total dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores ou não será, e que é nossa a tarefa de romper as cadeias da escravidão capitalista.
A autonomia é uma prática de classe que se manifesta historicamente sempre que a classe operária se torna protagonista: durante a Comuna de Paris, nos conselhos operários da Alemanha, nos sovietes russos, nas inúmeras formas de organização autônoma assumidas pelas revoltas operárias na Hungria e na Polônia, nas práticas de lutas dos trabalhadores radicais nos EUA, nas Assembléias Operárias Autônomas na Espanha e na Itália... Eis por que nosso objetivo é impulsionar, nas lutas, a ação direta e auto-organização da classe operária, objetivo que hoje passa pela formação de comissões autônomas nos locais de trabalho e moradia. Consequentemente, afirmamos que a direção das lutas proletárias cabe inteiramente às assembléias nos locais (de trabalho e/ou moradia) onde se dá o combate à exploração capitalista.

A autonomia operária é também uma forma de luta que torna protagonistas os trabalhadores que reivindicam. Somos pela luta contínua (isto é, não só pelas campanhas salariais, por melhores condições de trabalho, etc.) e pela ação direta como única forma de intervenção massiva dos trabalhadores (greves, sabotagem, piquetes, ocupações e autodefesa).

Lutamos por todas as formas de auto-organização que facilitem a expressão autônoma da classe operária (assembléias, grupos de empresa e territoriais). Portanto, somos contra a divisão do proletariado em diferentes sindicatos, correias de transmissão de partidos e ideologias.

Sabemos que a exploração capitalista é indivisível. Portanto, somos contra a divisão da luta em partes, divisão que atribui aos sindicatos a luta econômica e aos partidos a luta política. A luta proletária deve ser econômica, política e assim deve se expressar as plataformas reivindicativas.

Somos contra a cogestão e todo acordo entre sindicato e empresa, que se realiza pelas costas dos trabalhadores e contra seus interesses. Afirmamos que somente com a mobilização e a luta obteremos o que nos é necessário como classe, além de construir formas de auto-organização mais avançadas.

A autonomia operária enfatiza a centralidade da luta contra as condições de exploração do trabalhador assalariado. Mas não se limita a isso, e, pelo seu caráter de movimento real, termina por abranger todo movimento proletário. Neste desenvolvimento, vemos a potência que suplantará definitivamente a crise capitalista.

A autonomia operária não tem dirigentes nem líderes, e não quer representar uma vanguarda “iluminada”, modelo tão gasto quanto nefasto. Baseia-se unicamente na experiência proletária e é, antes de tudo, uma prática.

“Senza Freni - volante operário da fábrica Ducati-Motor Bologna 2000”

LOS SEIS PUNTOS DE LA AUTONOMIA OBRERA



Revista: "Teoría y Práctica", nº11, Septiembre 1997.
 


1. Los autónomos luchamos por la emancipación total de nuestra clase, entendiendo por ello la lucha contra el sistema capitalista y todas las miserias que éste genera: paro, hambre, muertes, accidentes, etc.. Afirmamos que la emancipación total de los trabajadores será obra del conjunto de la clase obrera o no será, siendo todoc los obreros los que rompamos las cadenas de la esclavitud capitalista.

2. La autonomía obrera es una práctica de clase que ce manifiesta históricamente en todos los momentos en que la clase obrera ha sido la verdadera protagonista. La Comuna de Paris, los Consejos Obreros, los Soviets, las iniciales Comisiones Obreras en Asturias, las Asambleas de fábrica de Vitoria, las Asambleas de Delegados de la Construcción, con ejemplos de ello. Es por este motivo que los autónomos nos marcamos
como tarea esencial el impulso de la construcción de la organización de clase, cosa que hoy pasa por potenciar las Asambleas en los tajos, en las fabricas, en los barrios, etcétera, como centros decisorios de los trabajadores, y, consecuen-temente, afirmamos que la dirección de las luchas obreras está en las Asambleas en los lugares de explotación.

3. La Autonomía obrera es también una forma de lucha que hace protagonista a los trabajadores en el combate de sus reivindicaciones. Estamos por la lucha continua (y no sólo de convenio en convenio) y por la acción directa como única forma de participación masiva de los trabajadores [paros. huelgas, piquetes, encierros. Autodefensa].

4. Luchamos por todas las formas de autoorganización de los trabajadores que vayan abriendo camino y consolidando las formas de organización autónomas de la clase (las asambleas, comisiones representativas, comités de apoyo. etc.), y, por tanto, estamos en contra de dividir a la clase obrera en diferentes sindicatos, correas de transmisión de los diferentes partidos e ideologías.

5. Entendemos que la explotación capitalista es indivisible y, por tanto, estamos en contra de dividir la lucha de clases en parcelas, correspondiendo la lucha de tipo económico a los sindicatos y la político-ideológica a los partidos. La lucha de los trabajadores debe ser económica-politica-ideológica y así debe ser recogida en las plataformas reivindicativas.

6. Estamos en contra de todo tipo de pactos interclasistas, ya sean políticos (comisión de los 10) o pactos sociales (partidos-sindicatos, patronos-gobierno) que se realizan a espaldas de los trabajadores y en contra de sus intereses, y afirmamos que sólo con la movilización y la lucha podemos conseguir nuestras necesidades como clase e ir avanzando en formas de poder obrero.
 

Leninismo e Ultra-esquerda



Introdução

O inestimável mérito da esquerda comunista alemã e de muitos grupelhos ultra-esquerdistas foi enfatizar a primazia da espontaneidade proletária. As potencialidades do comunismo estão na experiência proletária, não fora dela. A ultra-esquerda portanto apelou consistentemente para a essência do proletariado no combate às formas equivocadas de sua existência. Dos anos 20 aos 70, ela se firmou contra todas as mediações: o Estado, partidos e sindicatos, inclusive grupelhos e sindicatos anarquistas. Se Lênin pode ser resumido na palavra "partido", uma frase pode definir a ultra-esquerda: "os proletários por si mesmos"... Muito bem, mas a questão permanece: o que significa o "por si mesmo" dos proletários?

Essa questão deve ser tanto mais enfrentada porque, desde o comunismo de conselhos e passando pela Internacional Situacionista, tem sido cada vez mais influente.

A versão francesa deste texto surgiu de um grupo com raízes ultra-esquerdistas, mas que veio a questioná-las. Um primeiro esboço foi submetido a uma convenção organizada pela ICO (Informations et Correspondances Ouvrières), acontecida perto de Paris, em junho de 1969 [1]. A versão ampliada, em inglês, tinha como finalidade iniciar uma discussão com Paul Mattick.

***

O que é a ultra-esquerda? É um produto e um dos aspectos do movimento revolucionário, subseqüente à primeira guerra mundial e que sacudiu a Europa capitalista sem destruí-la entre 1917 e 1921. As idéias da ultra-esquerda se originam naquele movimento dos anos 20 que foi a expressão de centenas de milhares de proletários revolucionários na Europa. Este movimento, que permaneceu minoritário, contrapôs-se à linha geral da Internacional Comunista para o movimento comunista internacional. Havia a direita (os social-patriotas, Noske...), o centro (Kautsky...), a esquerda (Lênin e a Internacional Comunista) e a ultra-esquerda. A ultra-esquerda era fundamentalmente uma oposição: uma oposição dentro e contra o Partido Comunista Alemão (K.P.D), dentro e contra a Internacional Comunista. Ela se afirmou criticando a ideologia predominante no movimento comunista, isto é: o leninismo.

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A ultra-esquerda estava longe de ser um movimento monolítico. Além disso, seus diversos componentes modificaram suas concepções. Por exemplo, a carta aberta de Gorter para Lênin exprimia uma teoria do partido que a ultra-esquerda não aceita mais. Com relação a dois pontos principais (a "organização" e o conteúdo do socialismo), deveríamos estudar as idéias que a ultra-esquerda reteve durante todo o seu desenvolvimento. O grupo francês ICO é o melhor exemplo de um grupo ultra-esquerdista atual.
A) O Problema da Organização

As idéias da ultra-esquerda resultam de uma experiência prática (principalmente, as lutas proletárias na Alemanha) e de uma crítica teórica (a crítica do leninismo). Para Lênin, o problema revolucionário fundamental era forjar uma "direção" capaz de levar os proletários à vitória. Quando os ultra-esquerdistas estudaram o surgimento das organizações de fábrica na Alemanha, concluíram que o proletariado não necessita de partido para fazer a revolução. Esta seria feita pelas massas auto-organizadas em conselhos operários e não "teleguiadas" por revolucionários profissionais. O Partido Comunista Operário Alemão (K.A.P.D.), cuja atividade é sintetizada teoricamente por Gorter na sua "Resposta a Lênin", considerava-se uma vanguarda cuja tarefa era conscientizar as massas sem dirigi-las, ao contrário do que prega a doutrina leninista. Esta doutrina foi rejeitada por muitos ultra-esquerdistas, que se opuseram à dupla existência das organizações de fábrica e do partido: os revolucionários não devem se organizar num corpo separado das massas. Esta discussão levou à criação, em 1920, da A.A.U.D.-E. (União Geral dos Operários da Alemanha - Organização Unitária), que criticava a A.A.U.D. (União Geral dos Operários da Alemanha) por ser controlada pelo K.A.P.D. (Partido Comunista Operário Alemão). A maioria do movimento de ultra-esquerda adotou o ponto de vista da A.A.U.D.-E. Na França, a atual atividade da I.C.O. se baseia no mesmo princípio: qualquer organização revolucionária que, coexistindo com órgãos criados pelos próprios operários, procure elaborar uma linha política e teórica coerente, acabará tentando dirigir os operários. Portanto, os revolucionários não se organizam fora dos órgãos "espontaneamente" criados pelos operários: eles apenas trocam e divulgam informações e estabelecem contatos com outros revolucionários; jamais tentam definir uma teoria geral ou estratégia.

Para compreender esta concepção, devemos voltar ao leninismo. A teoria leninista do partido se baseia numa distinção que pode ser encontrada em todos os grandes pensadores socialistas do período: o "movimento operário" e o "socialismo" (as idéias revolucionárias, a doutrina, o socialismo científico, o marxismo etc. - ele pode ter muitos nomes diferentes) são duas coisas fundamentalmente diferentes e separadas. Por um lado, há os proletários e suas lutas cotidianas, e, por outro, os revolucionários. Lênin afirma que as idéias revolucionárias devem ser "introduzidas" no proletariado. O movimento operário e o movimento revolucionário são diferentes: devem ser unidos pela direção dos revolucionários sobre os operários. Portanto, os revolucionários devem ser organizados e agir sobre o proletariado "de fora". A análise de Lênin, situando os revolucionários fora do movimento proletário, baseia-se na suposição de que os revolucionários vivem num mundo totalmente diferente dos proletários. Lênin não percebe que isto é uma ilusão. A análise de Marx e seu socialismo científico como um todo não são produtos de "intelectuais burgueses", mas da luta de classes em todos os níveis no capitalismo. O "socialismo" é a expressão da luta do proletariado. Ele foi conceitualmente elaborado por "intelectuais burgueses" (e por proletários altamente educados: J. Dietzgen) porque, até então, somente os revolucionários de origem burguesa podiam fazê-lo, mas foi o produto da luta de classes.

O movimento revolucionário, a dinâmica que leva ao comunismo, resulta do capitalismo. Examinemos a concepção de partido de Marx. A palavra partido aparece freqüentemente nos escritos de Marx. Devemos distinguir entre os princípios de Marx sobre esta questão e sua análise de muitos aspectos do movimento proletário de sua época. Muitas delas foram errôneas (por exemplo, sua concepção do futuro do sindicalismo). Além disso, não se dispõe de nenhum texto no qual Marx tenha resumido suas idéias sobre o partido, mas de diversas notas esparsas e comentários. Todavia, um ponto de vista geral surge em todos esses textos. A sociedade capitalista enquanto tal produz um partido comunista, que nada mais é do que a organização do movimento objetivo (isto implica que a concepção, de Kautsky e Lênin, de uma "consciência socialista" que pode ser "levada" aos proletários não faz sentido) que impulsiona a sociedade para o comunismo. Lênin, revelando total incompreensão da luta de classes, viu um proletariado reformista e afirmou que a "consciência socialista" deveria ser introduzida para torná-lo revolucionário. Num período não-revolucionário, o proletariado não pode mudar as relações de produção capitalistas. Assim, ele procura mudar as relações de distribuição, reivindicando salários mais altos. Evidentemente, os proletários não "sabem" que estão mudando as relações de distribuição quando exigem aumentos salariais. Eles já tentam, "inconscientemente", agir sobre o sistema capitalista. Kautsky e Lênin não percebem o processo, o movimento revolucionário que surge no capitalismo; só percebem um aspecto dele. A teoria kautskiana-leninista da consciência de classe ignora o processo e só considera um de seus momentos transitórios: aquele em que o proletariado, "só com seus próprios recursos", não pode ser senão reformista, enquanto os revolucionários ficam fora do movimento operário. Na realidade, os revolucionários, suas idéias e teorias se originam nas lutas proletárias.

Num período não revolucionário, os proletários revolucionários, isolados em cada fábrica, tentam expor a natureza real do capitalismo e das instituições que o sustentam (sindicatos, partidos "operários"). Em geral, fazem isto com pouco êxito, o que é normal. E há também revolucionários, proletários e não-proletários, que lêem e escrevem, esforçando-se para fornecer uma crítica de todo o sistema. Esta divisão é produzida pelo capitalismo: uma das características da sociedade capitalista é a divisão entre trabalho intelectual e manual. Esta divisão, que existe em toda a sociedade, também existe no movimento revolucionário. Seria idealista esperar que o movimento revolucionário seja "puro", não fosse ele um produto desta sociedade.

Somente o êxito completo da revolução pode destruir essa divisão. Enquanto isso não ocorre, devemos lutar contra ela, em nosso movimento, enquanto característica do resto da sociedade. É um fato que muitos revolucionários não sejam inclinados à leitura, nem à teoria. Porém, é um fato transitório: os "proletários revolucionários" e os "teóricos revolucionários" são dois aspectos do mesmo processo. É um erro dizer que os "teóricos" devem guiar os "proletários". Mas é igualmente errado dizer, como a I.C.O., que a teoria coletivamente organizada é perigosa porque resultará numa direção sobre os operários. A I.C.O. toma uma posição simétrica à de Lênin. O processo revolucionário é um processo orgânico e, embora seus momentos estejam separados por um certo tempo, a emergência de qualquer situação revolucionária (ou mesmo pseudo-revolucionária) revela a profunda unidade dos vários elementos do movimento revolucionário.

O que ocorreu em maio de 1968, nos comitês operário-estudantis de ação no centro de Censier, em Paris? Alguns comunistas (ultra-esquerda) que antes desses eventos se dedicavam mais à teoria, atuaram com uma minoria de operários revolucionários. Antes de maio de 1968 (e desde então), não estavam mais separados dos operários do que cada operário dos outros numa situação "normal", não revolucionária, na sociedade capitalista. Marx não estava separado dos proletários quando escreveu O Capital, nem quando atuou na Liga dos Comunistas ou na Internacional. Enquanto atuava nessas organizações, ele não sentiu a necessidade (como Lênin), nem o temor (como a I.C.O) de se tornar um líder dos proletários.

A concepção de Marx - do partido como produto histórico da sociedade capitalista que assume diversas formas de acordo com o estágio e a evolução desta sociedade - nos capacita a superar o dilema: necessidade do partido / temor do partido. O partido comunista é a organização espontânea (ou seja, totalmente determinada pela evolução social) do movimento revolucionário criado pelo capitalismo. O partido é um produto espontâneo, nascido no terreno histórico da moderna sociedade. Tanto o desejo quanto o medo de "criar" o partido são ilusões. Ele não pode ser (ou não) criado: é um simples produto histórico. Por isto, os revolucionários não precisam nem construí-lo nem temer construí-lo.

Lênin tinha uma teoria do partido. Marx tinha outra, completamente diversa. A teoria de Lênin foi um dos elementos da derrota da revolução russa. A ultra-esquerda rejeitou todas as teorias do partido como perigosas e contra-revolucionárias. A teoria de Lênin não foi a causa da derrota da revolução russa. A teoria de Lênin só predominou porque a revolução russa fracassou (principalmente, devido a ausência da revolução no ocidente). Não devemos descartar todas as teorias do partido porque uma delas (a de Lênin) foi um instrumento contra-revolucionário. Infelizmente, a ultra-esquerda meramente adotou a concepção que é o exato contrário da de Lênin. Lênin queria construir um partido; a ultra-esquerda se recusa a construí-lo. A ultra-esquerda, assim, dá uma resposta diferente à mesma questão falsa: pró ou contra a construção do partido. A ultra-esquerda permaneceu no mesmo campo de Lênin. Nós, pelo contrário, não queremos meramente inverter o ponto de vista de Lênin; queremos abandoná-lo completamente.

Os grupos leninistas atuais (trotskistas, por exemplo) querem dirigir os operários. Os grupos de ultra-esquerda (a I.C.O., por exemplo) divulgam informação sem definir sua posição sobre os problemas. Divergimos de ambos, quando afirmamos ser necessária uma crítica teórica da sociedade atual que implique uma atividade coletiva, e que um grupo permanente de proletários revolucionários deve ser capaz de elaborar uma base teórica para sua ação. A elucidação teórica é condição necessária e elemento da unificação prática.

B) Gerindo o que?

A revolução russa morreu porque acabou desenvolvendo o capitalismo na Rússia. Formar um corpo eficiente de gestores se tornou sua meta. A ultra-esquerda logo concluiu que a gestão burocrática não é o socialismo e passou a defender a gestão operária. E uma teoria coerente foi criada, com os conselhos operários no centro, atuando como órgãos de combate dos proletários sob o capitalismo e como instrumento da gestão operária sob o socialismo. Assim, os conselhos têm um papel central na teoria da ultra-esquerda da mesma maneira que o partido na teoria leninista.

A teoria da gestão operária analisa o capitalismo em termos de gestão. Mas o capitalismo é, sobretudo, um modo de gestão? A análise revolucionária do capitalismo iniciada por Marx não salienta esta questão: quem gere o capital? Pelo contrário, Marx descreve tanto os capitalistas quanto os operários como meras funções do capital: "o capitalista enquanto tal é somente uma função do capital; o trabalhador, uma função da força de trabalho." Os líderes russos não "conduzem" a economia; são conduzidos por ela. O desenvolvimento da economia russa obedece às leis objetivas da acumulação capitalista. Em outras palavras, quem gere está à serviço de relações de produção definidas, que o compelem. O capitalismo não é um modo de GESTÃO, mas um modo de PRODUÇÃO baseado em RELAÇÕES DE PRODUÇÃO. A revolução visa a subverter radicalmente estas relações. A crítica revolucionária do capitalismo enfatiza o papel do capital, cujas leis objetivas são obedecidas pelos gestores da economia, tanto na Rússia quanto na América.

C) A Lei do Valor

O capitalismo se baseia na troca: inicialmente, apresenta-se como "uma imensa acumulação de mercadorias". Embora não possa existir sem a troca, o capitalismo não é apenas a produção de mercadorias; ele cresce e se desenvolve superando a produção simples de mercadorias. O capital é baseado fundamentalmente num tipo particular de troca, a troca entre trabalho vivo e trabalho acumulado. A diferença entre Marx e os economistas clássicos consiste principalmente na criação do conceito de força de trabalho: este conceito revela o segredo da mais-valia, ao diferenciar trabalho necessário e sobretrabalho.

Como as mercadorias se comparam entre si? Através de que mecanismo pode-se determinar que uma quantidade x de A tem o mesmo valor que uma quantidade y de B? Marx não encontra explicação para xA = yB na natureza concreta de A e B, nas suas respectivas qualidades, mas numa relação quantitativa: A e B podem ser trocados na proporção xA = yB porque ambos contém uma quantidade de "algo comum". Se abstrairmos a natureza útil e concreta de A e B, eles mantém somente uma coisa em comum: são "produtos do trabalho". A e B são trocados em proporções determinadas pelas respectivas quantidades de trabalho cristalizadas neles. A quantidade de trabalho é medida pela sua duração. O conceito de tempo de trabalho socialmente necessário, desenvolvido no aprofundamento da análise, é uma abstração: não se pode calcular o que uma hora de trabalho socialmente necessário representa numa dada sociedade. A distinção entre trabalho concreto e abstrato permite a Marx compreender o mecanismo da troca e analisar uma forma particular de troca: o sistema salarial.

"Os melhores pontos do meu livro são: 1) o duplo caráter do trabalho, conforme ele é expresso em valor de uso ou valor de troca. (toda a compreensão dos fatos depende disso.) Isto é enfatizado imediatamente, no primeiro capítulo..." [2]

O tempo de trabalho, de fato, determina toda a organização social da produção e da distribuição. Regula as proporções em que as forças produtivas são usadas para propósitos específicos em locais específicos. A lei do valor "se afirma ao determinar as proporções de trabalho social, não no sentido geral de que se aplicaria a todas as sociedades, mas somente no sentido exigido pela sociedade capitalista; em outras palavras, estabelece uma distribuição proporcional de todo trabalho social de acordo com as necessidades específicas da produção capitalista". [3]

Esta é uma das razões por que o capital não é investido numa fábrica na Índia, mesmo que a produção dessa fábrica seja necessária para a sobrevivência da população. O capital sempre vai aonde pode se multiplicar com maior rapidez. A regulação pelo tempo de trabalho obriga a sociedade capitalista a desenvolver determinada produção somente onde o tempo de trabalho socialmente necessário para essa produção é no máximo igual ao tempo de trabalho médio.

Eis a lógica do capital: valor de troca determinado pelo tempo de trabalho médio.

D) A Contradição do Tempo de Trabalho

Mencionamos o papel central que o sobretrabalho tem na produção da mais-valia. Marx ressaltou a origem, a função e o limite do sobretrabalho: "... Somente quando um certo grau de produtividade foi alcançado - de maneira que uma parte do tempo de produção é suficiente para a produção imediata -, uma parte cada vez maior pode ser aplicada à produção de meios de produção. Isso requer que a sociedade seja capaz de esperar; que uma grande parte da riqueza já criada seja retirada tanto do consumo imediato quanto da produção para o consumo imediato, para empregar esta parte do trabalho que não é imediatamente produtivo (dentro do próprio processo material de produção)." [4]

O trabalho assalariado é o meio de desenvolvimento das forças produtivas.

"A economia real consiste em reduzir ao mínimo o tempo de trabalho e os custos de produção; mas esta redução [é] idêntica ao desenvolvimento da força produtiva." [5]

O trabalho assalariado possibilita a produção de mais-valia através da apropriação do sobretrabalho pelo capital. Neste sentido, a condição miserável do trabalhador é uma necessidade histórica. O proletário deve ser forçado a vender sua força de trabalho. É assim que as forças produtivas se desenvolvem e incrementam a parte de sobretrabalho na jornada de trabalho: o capital cria "uma grande quantidade de tempo disponível... (isto é, a possibilidade para o desenvolvimento das forças produtivas dos indivíduos e, portanto, da sociedade)." [6]

A "existência antitética" [7] ou contraditória do sobretrabalho é bastante clara:

- ele cria a "riqueza das nações";

- ele leva à miséria os proletários que o fornecem.

O capital "é portanto, apesar de si mesmo, instrumental na criação de tempo social disponível, reduzindo o tempo de trabalho de toda a sociedade a um mínimo e, conseqüentemente, liberando tempo para o desenvolvimento de todos." [8]

No comunismo, o excedente de tempo em relação ao tempo de trabalho necessário perderá o caráter de sobretrabalho que os limites históricos das forças produtivas lhe foram conferidos sob o capitalismo. O tempo disponível não será mais baseado na pobreza do trabalhador. Não haverá necessidade de utilizar miséria para criar riqueza. Quando a relação entre trabalho necessário e sobretrabalho for superada pela acréscimo das forças produtivas, o excedente de tempo além do trabalho necessário para a existência material perderá a forma de sobretrabalho.

"O tempo livre - que é tanto ócio quanto atividade - transforma naturalmente seu possuidor num sujeito diferente, que então entra no processo de produção direto como um sujeito diferente." [9]

A economia de tempo de trabalho é uma absoluta necessidade para o desenvolvimento da humanidade. Ela fundamenta a possibilidade do capitalismo e, num estágio mais avançado, a do comunismo. O mesmo movimento desenvolve o capitalismo e torna o comunismo simultaneamente necessário e possível.

A lei do valor e a medição pelo tempo de trabalho médio estão envolvidos no mesmo processo. A lei do valor exprime o limite do capitalismo e tem um papel necessário. Enquanto as forças produtivas ainda não são suficientemente desenvolvidas e o trabalho imediato permanece o fator essencial da produção, a medição pelo tempo de trabalho médio é uma necessidade absoluta. Mas, com o desenvolvimento do capital, especialmente do capital fixo, "a criação da riqueza real passa a depender menos do tempo de trabalho e da quantidade de tempo empregado do que da potência dos agentes postos em movimento durante o tempo de trabalho, potência cuja 'poderosa eficácia', enquanto tal, perde toda relação com o tempo de trabalho imediato gasto na sua produção, dependendo mais do estado geral da ciência e da tecnologia, ou da aplicação desta ciência à produção." [10]

A miséria do proletariado foi a condição para um crescimento considerável do capital fixo, no qual todo o conhecimento científico e técnico é "fixado". A automação, cujos efeitos agora estamos começando a ver, é porém um estágio desse desenvolvimento. O capital ainda continua funcionando através da medição do tempo de trabalho médio.

"O próprio capital é uma contradição em processo: pressiona para minimizar o tempo de trabalho, mas, por outro lado, usa o tempo de trabalho como única medida e fonte de riqueza. Portanto, ele diminui o tempo de trabalho na forma necessária ao mesmo tempo que o aumenta na forma supérflua." [11]

A bem conhecida contradição entre forças produtivas e relações de produção não pode ser compreendida se não observarmos a ligação entre as seguintes oposições:

a) contradição entre a função do tempo de trabalho médio como regulador das forças produtivas "subdesenvolvidas", e o crescimento das forças produtivas que tendem a destruir a necessidade de tal função.

b) contradição entre a necessidade de desenvolver ao máximo o sobretrabalho do trabalhador a fim de produzir o máximo de mais-valia possível, e o próprio crescimento do sobretrabalho, que torna sua supressão possível.

"Assim que o tempo de trabalho na forma imediata deixa de ser a principal fonte de riqueza, também deixa e deve deixar de ser sua medida, e, por conseqüência, o valor de troca [deve deixar de ser a medida] do valor de uso. O sobretrabalho da massa deixou de ser a condição para o desenvolvimento da riqueza geral, assim como o não-trabalho de alguns poucos deixou de ser a condição do desenvolvimento dos poderes gerais do intelecto humano." [12]

A "libertação humana", profetizada pelos pensadores utópicos (do passado e do presente), é então possível: "Com isso, a produção baseada no valor de troca desmorona... O livre desenvolvimento das individualidades, e, portanto, não a redução do trabalho necessário com vistas a aumentar o sobretrabalho, mas a redução geral do trabalho necessário da sociedade a um mínimo, que então corresponde ao desenvolvimento artístico, científico etc. dos indivíduos no tempo livre, e com os meios criados, por e para todos eles." [13]

"Toda criança sabe que se uma nação deixa de trabalhar, não digo um ano, mas mesmo algumas semanas, ela morrerá. Toda criança sabe, também, que as massas de produtos que correspondem às diferentes necessidades exigem massas de trabalho social diferentes e quantitativamente determinadas. Que esta necessidade de distribuição do trabalho social em proporções definidas não pode ser abolida somente mudando a maneira de seu aparecimento, é evidente por si mesmo. Nenhuma lei natural pode ser abolida. O que pode mudar, em circunstâncias historicamente diferentes, é somente a forma em que estas leis se afirmam." [14]

Marx contrapõe, à regulação pelo trabalho socialmente necessário, a regulação pelo tempo disponível. Evidentemente, estes não são dois métodos que se podem escolher ou descartar, mas dois processos históricos objetivos que envolvem todas as relações sociais. São conhecidas as páginas da Crítica do Programa de Gotha nas quais Marx explica que "na sociedade baseada na propriedade comum dos meios de produção, os produtores não trocam seus produtos; tampouco o trabalho empregado nos produtos aparece como valor destes produtos, como uma qualidade material que eles adquiriram, desde então, ao contrário do capitalismo, o trabalho individual já não existe numa modalidade indireta mas diretamente como parte componente do trabalho total." [16]

"A cada um de acordo com suas necessidades", segundo Marx, não significa que "tudo" existirá em abundância; a noção de "abundância" absoluta é um absurdo, historicamente. Terá de haver alguma espécie de cálculo e escolha, não com base no valor de troca, mas no valor de uso, na utilidade social do produto considerado. (Deste modo, o problema dos "países subdesenvolvidos" será visto e tratado de outra maneira.) Marx foi muito claro, na Miséria da Filosofia: "Numa sociedade futura, em que o antagonismo de classe cessará, pois não haverá nenhuma classe, o uso não mais será determinado pelo tempo mínimo de produção; ao contrário, o tempo dedicado à produção de diferentes artigos será determinado pelo grau de sua utilidade social." [16]

Assim, o texto sobre a passagem do "reino da necessidade" para o "reino da liberdade" [17] é elucidado. A liberdade é considerada como uma relação na qual o homem, dominando o processo de produção da vida material, será enfim capaz de adaptar suas aspirações ao nível alcançado pelo desenvolvimento das forças produtivas. [18] O crescimento da riqueza social e o desenvolvimento de cada individualidade coincidem.

"Pois a riqueza real é a potência produtiva de todos os indivíduos. Então, a medida da riqueza não é mais o tempo de trabalho, mas o tempo disponível." [19] Assim, Marx está completamente certo ao descrever o tempo como a dimensão da liberdade humana.

Então, fica claro que a dinâmica analisada por Marx exclui a possibilidade de qualquer via gradual para o comunismo, com a destruição progressiva da lei do valor. Ao contrário, a lei do valor continua se afirmando violentamente até a supressão do capitalismo: a lei do valor nunca cessa de se destruir - mas somente para reaparecer num nível mais alto. Vimos que esse movimento tende a abolir sua necessidade. Mas ele não cessa de existir e de regular o funcionamento do sistema. Uma revolução é, pois, necessária.

A doutrina da autogestão da sociedade pelos conselhos operários não entende a dinâmica do capitalismo. Ela mantém todas as categorias e características do capitalismo: o trabalho assalariado, a lei do valor, a troca. O socialismo que propõe nada mais é do que capitalismo gerido democraticamente pelos trabalhadores. Se fosse posto em prática haveria duas possibilidades: a) os conselhos operários tentariam fazer a empresa funcionar como não-capitalista, o que é impossível enquanto as relações de produção capitalistas ainda existirem. Neste caso, os conselhos operários seriam destruídos pela contra-revolução. As relações de produção não são relações homem-a-homem, mas a combinação de vários elementos do processo de trabalho. A relação "humana" entre dirigentes e dirigidos é apenas uma forma secundária da relação fundamental entre trabalho assalariado e capital; b) os conselhos operários funcionariam como empresas capitalistas. Neste caso, o sistema de conselhos não sobreviveria; se tornaria uma ilusão, uma das diversas formas de associação entre capital e trabalho. Os gestores "eleitos" logo se tornariam idênticos aos capitalistas tradicionais: a função do capitalista, diz Marx, tende a se separar da função de operário. A gestão operária resultaria em capitalismo; isto é, o capitalismo não seria destruído.

A burocracia bolchevique assume o controle da economia. A ultra-esquerda, ao contrário, quer que as massas façam isso. A ultra-esquerda permanece no campo do leninismo: mais uma vez, dá uma resposta diferente à mesma questão (a gestão da economia). Afirmamos outra questão (a destruição da economia, do capitalismo). O que nós queremos não é a gestão, por mais "democrática" que seja, do capital, mas sua total destruição.

E) O Limite Histórico da Ultra-esquerda

Examinando o problema da "organização" e do conteúdo do socialismo, afirmamos a existência de uma dinâmica revolucionária sob o capitalismo. Gerado pelo capitalismo, o movimento revolucionário assume novas formas em cada situação. O socialismo não é só a gestão da sociedade pelos operários, mas o fim do ciclo histórico do capital. O proletariado não apenas toma o mundo; ele finaliza o movimento do capitalismo e da troca. Eis o que distingue Marx dos pensadores utópicos e reformistas: o socialismo é produzido pela dinâmica objetiva que o capital criou e difunde por todo o planeta. Marx insiste no conteúdo do movimento. Lênin e a ultra-esquerda insistiram nas suas formas: forma de organização, forma de gestão da sociedade, mas esqueceram o conteúdo do movimento revolucionário. Também isso foi um produto histórico. Foi a situação do período que impediu as lutas revolucionárias de terem um conteúdo comunista.

O leninismo exprimiu a impossibilidade da revolução na sua época. O conselhismo exprimiu sua necessidade, mas sem ver exatamente no que sua possibilidade consistia. As idéias de Marx sobre o partido foram abandonadas. Foi o tempo das grandes organizações reformistas, naquela época, dos partidos comunistas (que logo recairiam numa forma de reformismo). O movimento revolucionário não foi suficientemente forte. Por toda parte, na Alemanha, na Itália, na França, na Grã Bretanha, o início dos anos trinta caracterizou-se pelo controle das massas por líderes "operários". Reagindo a esta situação, os ultra-esquerdistas foram tomados pela fobia de se tornarem novos burocratas. Em vez de compreenderem os partidos leninistas como um produto da derrota proletária, eles recusaram qualquer partido, e, como Lênin, deixaram a concepção marxista do partido ficar esquecida. Ignorando o conteúdo do socialismo, todos os movimentos sociais, exceto na Espanha por um curto período, tentaram administrar o capitalismo e não superá-lo. Em tais condições, a ultra-esquerda não podia fazer uma crítica profunda do leninismo. Ela somente podia assumir o ponto de vista oposto, opor outras formas ao leninismo, sem ver o conteúdo da revolução. Isso é compreensível, uma vez que o conteúdo não lhes aparecia claramente. (Devemos, contudo, lembrar que a ultra-esquerda forneceu uma notável crítica da alguns aspectos do capitalismo - como a do sindicalismo e dos partidos "operários").

Essa é a razão de a ultra-esquerda ter substituído o fetichismo leninista do partido e da consciência de classe pelo fetichismo dos conselhos operários. Se, hoje, fazemos a crítica do leninismo e do ultra-esquerdismo é porque o desenvolvimento do capitalismo tornou visível o conteúdo real do movimento revolucionário.

Mas seria equivocado tratar as idéias da ultra-esquerda (temor de criar um partido e a gestão operária)como mera ideologia. Quando essas idéias apareceram, por volta de 1920, expressavam uma luta revolucionária real, e mesmo seus "erros" tiveram um papel positivo e progressivo na luta contra a social-democracia e o leninismo. Seus limites expressavam a atividade de milhões de proletários revolucionários. Mas as coisas mudaram muito desde 1920. Uma nova minoria de revolucionários está em lento processo de formação, como foi revelado pelos acontecimentos de 1968, na França, e outras lutas em diversos países.

Num período revolucionário, as lutas se estendem sem problema. O movimento revolucionário se unifica. A coerência teórica é um objetivo permanente, uma vez que sempre acelera a coordenação dos esforços revolucionários. Os revolucionários nunca hesitaram em agir coletivamente para propagar sua crítica da sociedade atual.

Eles não tentam dizer aos operários o que fazer; mas não deixam de intervir, com o pretexto de que "os operários devem decidir por si mesmos". Pois, por um lado, os operários só decidem fazer o que a situação geral os obriga; e, por outro lado, o movimento revolucionário é uma totalidade orgânica na qual a teoria é um elemento inseparável e indispensável. Os comunistas expressam e defendem os interesses gerais do movimento. Em todas as situações, eles não hesitam em dizer claramente o que está acontecendo e em fazer propostas práticas. Eles fazem parte da luta do proletariado e contribuem para construir o "partido" da revolução comunista.

(julho de 1969)

NOTAS:

[1] A I.C.O. hoje se chama Echanges et Mouvements.

[2] Carta de Marx para Engels, 25 de agosto de 1867.

[3] Paul Mattick, "Valor e Socialismo"

[4] Marx, Grundisse.

[5] Ibid.

[6] Ibid.

[7] Ibid.

[8] Ibid.

[9] Ibid.

[10] Ibid.

[11] Ibid.

[12] Ibid.

[13] Ibid.

[14] Carta de Marx para Kugelmann, 11 de julho de 1868.

[15] Marx, Crítica do Programa de Gotha.

[16] Marx, A Miséria da Filosofia.

[17] O capital, Vol.III, último capítulo.

[18] "A essência da sociedade burguesa consiste precisamente nisso: que a priori não há regulação social consciente da produção. A necessidade racional e natural só se afirmam como uma média, agindo às cegas." (Carta de Marx para Kugelmann, 11 de julho de 1868)

[19] Grundisse.


A LUTA DE CLASSES E SEUS ASPECTOS MAIS CARACTERÍSTICOS NOS ANOS ATUAIS



A reemergência da perspectiva comunista
Este ensaio foi iniciado logo depois de maio de 68 e completado em 1972, por um amigo que trabalhara anos antes numa fábrica de sapatos sob “autogestão” (controlada pelo Estado), na Argélia. Lá, ele vivenciou como um desejo espontâneo de tomar o futuro nas próprias mãos pôde terminar numa auto-organização institucionalizada do trabalho assalariado.

Se este texto fosse escrito hoje, os fatos históricos seriam diferentes. No entanto, ele ainda mantêm uma força. O PC francês declinou, através da desindustrialização das áreas tradicionais da classe operária. Além disso, como em outros países, já não se pode mais falar de “stalinismo”. Os PC’s foram stalinistas não por amor à Rússia, mas porque o capitalismo de Estado era uma solução possível para o capital... habitualmente, com as tropas do exército vermelho em volta e a ajuda dos países “socialistas” irmãos. Com a queda da URSS, tornou-se obsoleta essa forma atrasada de capitalismo e os PC’s se transformaram em partidos sociais-democratas. O adaptável PC italiano já estava nesse caminho há muito tempo. Depois de longa resistência, o teimoso PC francês segue o seu exemplo. A velha e sinistra farsa stalinista de 60 anos foi atirada à lixeira da história, não pelo proletariado, mas pela atração fatal das mercadorias. O cartão de crédito é mais poderoso do que o macaco hidráulico. (nota de 1997, Gilles Dauvé)

A proposta original deste texto era tentar mostrar as razões fundamentais pelas quais o movimento revolucionário da primeira metade do século assumiu várias formas (partidos, sindicatos, conselhos operários) que agora não somente pertencem ao passado, como obstruem a reorganização do movimento revolucionário. Porém, só uma parte do projeto foi realizada. Não obstante, seria um erro esperar uma construção teórica completa antes de começar. O texto a seguir fornece elementos úteis para compreender as novas formas do “partido” comunista. Os acontecimentos recentes (principalmente as greves nos EUA, Inglaterra, França e Itália) mostram nitidamente que estamos entrando num novo período histórico. Por exemplo, o Partido “Comunista” Francês (P.C.F.) ainda domina a classe operária, mas está acuado. Por um longo período, o movimento de negação revolucionária ao capital foi desviado pelo P.C.F. – hoje, isso está mudando. O antagonismo entre os proletários e o capital vai se expressando cada vez mais diretamente, no nível dos fatos e ações concretas, ultrapassando a situação vigente quando a ideologia stalinista predominava na massa trabalhadora e o movimento revolucionário tinha que enfrentar o P.C.F. principalmente no campo teórico.

Hoje, os revolucionários são forçados a se opor ao capital praticamente. Novos esforços teóricos são necessários. Não basta concordar no plano das idéias; devem agir e, antes de tudo, intervir nas lutas atuais apoiando suas perspectivas. Os comunistas não têm de organizar um partido separado daquele que se afirma na práxis, em nossa sociedade. Agora e cada vez mais, eles terão de firmar suas posições de maneira que o movimento real não perca tempo em lutas inúteis e falsas. Vínculos orgânicos (produção teórica para a atividade prática) terão de ser estabelecidos entre os que pensam que estamos avançando para um conflito entre o proletariado e o capital. Este texto tenta determinar como o movimento comunista reemerge e definir as tarefas dos comunistas.

A) Maio de 1968, na França

A greve geral de maio de 1968 foi uma das maiores da história capitalista. Contudo, é provável que num primeiro momento, na sociedade contemporânea, esse potente movimento da classe operária não tenha criado os órgãos capazes de expressá-lo. Mais de quatro anos de luta operária comprovam isto. Em lugar nenhum podemos ver organizações indo além de um contato local e temporário. Sindicatos e partidos foram capazes de penetrar nesse vazio e negociar com os patrões e o Estado. Em 1968, alguns Comitês de Ação, de vida curta, foram a única forma de organização proletária que agiu fora dos sindicatos e partidos; os Comitês de Ação se opuseram ao que eles percebiam ser traição por parte dos sindicatos.

Seja no início da greve ou depois, na luta contra o recomeço do trabalho, milhões de trabalhadores se organizaram de alguma maneira fora e contra os sindicatos. Mas, em cada caso, essas iniciativas se evaporaram com o fim do movimento e não se tornaram um novo tipo de organização.

A única exceção foi o Comitê “inter-empresas”, que existiu desde o começo da greve no edifício da Faculdade de Letras, em Paris. Reuniu muitos proletários, indivíduos e grupos de muitas fábricas de Paris. Sua função foi coordenar ações contra o esvaziamento da greve pelo P.C.F. e a C.G.T. (confederação sindical controlada por ele). De fato, o Comitê foi o único órgão operário cuja ação ultrapassou os limites da fábrica, coordenando a solidariedade entre os trabalhadores de diferentes empresas. Como é habitual, em todas as atividades revolucionárias, o Comitê não fez publicidade de sua ação [1]. Continuou a organizar assembléias depois da greve e desapareceu, quando seus membros perceberam que ele já não era útil.

Muitos proletários logo deixaram de comparecer às assembléias. Muitos outros continuaram se encontrando. Durante a greve, a proposta do comitê foi de intensificar a luta contra as manobras dos sindicatos e partidos. Depois da greve, ele se tornou um grupo de discussão para estudar os resultados da greve e extrair lições para o futuro. Essas discussões muitas vezes tratavam do comunismo e de sua importância.

O Comitê agrupou uma minoria. Suas “assembléias gerais” diárias e suas reuniões menores permitiram que milhares de proletários se encontrassem. Mas permaneceu limitado à Paris. Nada sabemos de experiências similares em outras regiões, organizadas fora de todos os sindicatos (incluídos os sindicatos “esquerdistas”: a cidade de Nantes, no oeste da França, foi mais ou menos dominada pelos sindicatos durante a greve).

Acresce que um punhado de pessoas que compartilhavam idéias comunistas (uma dúzia, no máximo) estavam profundamente envolvidas em sua ação e funcionamento. O resultado foi reduzir ao mínimo a influência da C.G.T., dos trotskistas e maoístas. O Comitê estava fora de todas as organizações partidárias e sindicatos – tradicionais e extremistas - e tentou superar o limite da fábrica, prenunciando o que acontece desde 1968. Seu desaparecimento, depois da realização de suas tarefas, antecipou o fim das organizações que surgiram desde então, nas lutas mais características dos anos atuais.

Eis a grande diferença entre a situação atual e o que aconteceu na década de 1930. Em 1936, na França, o proletariado lutou a reboque de organizações “operárias” e pelas reformas que elas pregavam. Assim, a semana de quarenta horas e as duas semanas de férias pagas foram consideradas uma vitória real dos trabalhadores, cuja reivindicação essencial era a igualdade de condições entre os assalariados. Estas reivindicações foram impostas por uma fração da classe dominante. Hoje, a classe operária não reivindica melhoras nas suas condições de vida. Os programas de reforma apresentados pelos sindicatos e partidos se assemelham muito aos do Estado. Foi De Gaulle quem propôs a “participação”, como remédio para o que ele chamou de sociedade “mecânica”.

Parece que só uma fração da classe dominante analisou a extensão da chamada “crise da civilização” (A. Malraux). Desde então, todas as organizações - sindicatos e partidos, sem exceção - se juntaram, de uma maneira ou outra, para o grande programa de reforma. O P.C.F. incluiu a “participação real” em seu programa governamental. A central sindical C.F.D.T. prega a autogestão, que também é apoiada por grupos de extrema-esquerda defensores dos “conselhos operários”. Os trotskistas propõem o “controle operário”, como programa mínimo para um “governo operário”.

Supostamente, toda essa preocupação teria como objetivo acabar com a separação entre o trabalhador e o produto de seu trabalho. Esta é uma visão “utópica” do capital e que nada tem a ver com o comunismo. A “utopia” capitalista procura se livrar do lado mau da exploração. O movimento comunista não se exprime numa crítica formal do capital. Não quer mudar as condições de trabalho, mas sua função, substituindo a produção de valores de troca pela produção de valores de uso. Enquanto os sindicatos e partidos discutem nos limites de um mesmo programa, o programa do capital, o proletariado tem uma atitude não-construtiva. Além de suas ações políticas práticas, não “participa” do debate organizado nessa situação e não faz uma investigação teórica de suas próprias tarefas. Este é um período de grande silêncio do proletariado. O paradoxo é que a classe dominante tenta expressar as aspirações dos proletários, à sua maneira. Uma fração da classe dominante entende que as condições atuais de apropriação da mais-valia são um obstáculo para o funcionamento da economia. Seu programa é dividir a torta com uma classe operária que, “lucrando” com o capital e “participando” dele, seja mais produtiva. Estamos num ponto em que o capital almeja sua própria sobrevivência [2]. Mas, para consegui-la, terá de se livrar dos capitais parasitários, isto é, das frações que não produzem suficiente mais-valia.

Em 1936, os proletários tentaram alcançar o nível de outros assalariados. Hoje em dia, é o capital que impõe aos setores assalariados privilegiados as condições gerais de vida dos proletários. O conceito de participação implica igualdade diante da exploração imposta pelas necessidades da acumulação. Assim, a participação é um “socialismo” da miséria. O capitalismo quer reduzir os custos dos setores necessários à sua sobrevivência mas que não produzem valor diretamente.

No curso de suas lutas, os proletários entendem que a possibilidade de melhorar suas condições materiais é limitada e, sobretudo, já planejada pelo capital. A classe operária não pode mais intervir baseada num programa que realmente alteraria suas condições de vida dentro do capitalismo. As grandes lutas da primeira metade do século XX: pela jornada de oito horas, pelas quarenta horas semanais, férias pagas, sindicalismo industrial, estabilidade no emprego etc. estabeleceram um tipo de relação entre o proletariado e o capital que permitia aos operários uma certa eficiência “capitalista”. Hoje, o próprio capital impõe reformas e generaliza a igualdade de todos enquanto assalariados. E segmentos integrados da classe operária estariam dispostos a combater por objetivos intermediários, como no início do século ou na década de 1930. É óbvio, porém, que enquanto não houver uma clara perspectiva comunista não acontecerá a formação de organizações proletárias numa base comunista. Isto não quer dizer que os objetivos comunistas repentinamente se tornarão nítidos para todos. Mas a classe operária, a única que produz mais-valia, está no núcleo da crise do capitalismo e terá que se destruir, com todas as outras classes, além de simultaneamente criar os órgãos dessa autodestruição suprimindo o capitalismo. A organização comunista emergirá no processo prático de destruição da economia burguesa e de criação de uma comunidade humana mundial, tendo sido abolidas a mercadoria e a troca.

O movimento comunista tem se afirmado continuamente desde o início do capitalismo. Eis por que o capital é forçado a manter vigilância e violência constantes contra toda ameaça ao seu funcionamento normal. Desde a conspiração secreta de Babeuf, em 1795, o movimento operário enfrenta uma violência crescente e árduas lutas, demonstrando que o capitalismo é não o auge da humanidade, mas sua negação.

Ainda que a greve de maio de 1968 tenha tido apenas resultados positivos imediatos, sua força foi que ela não fez nascer ilusões duráveis. O “fracasso” de maio é o fracasso do reformismo, e o fim do reformismo permitiu lutar num nível totalmente diferente: uma luta contra o próprio capital, não contra seus efeitos. Em 1968, todo mundo pensou numa “outra” sociedade. O que as pessoas disseram raramente foi além da noção geral de autogestão. Excetuada a revolução comunista - que somente pode ser desenvolvida se o proletariado, a classe que produz mais-valia, a dirige -, todas as demais ações só podem se desenvolver e serem refletidas dentro da esfera capitalista, a do capital reformando a si mesmo.

Por trás das críticas parciais e alienadas vislumbramos o início da crise do valor, que é característica do período histórico atual. Estas idéias não vêm de lugar nenhum; elas sempre aparecem como expressões da comunidade humana que existe potencialmente em cada um de nós. Sempre que a falsa comunidade do trabalho assalariado é questionada, emerge a tendência para uma organização social em que as relações não são mais mediatizadas pelas necessidades do capital.

Desde maio de 68, a atividade do movimento comunista tende a ser crescentemente concreta.

B) Greves e Lutas Operárias, desde 1968

Enquanto, nos anos posteriores à segunda guerra mundial, as greves - mesmo as mais importantes - eram mantidas sob controle e não seguidas por crises políticas e monetárias, os últimos anos têm visto uma renovação das rebeliões industriais na França, Itália, Inglaterra, Bélgica, Alemanha Ocidental, Suécia, Dinamarca, Espanha, Portugal, Suíça... Na Polônia, os trabalhadores atacaram o quartel general do PC cantando ”A Internacional”. O processo foi o mesmo em quase todos os casos. Uma minoria inicia o movimento com seus próprios objetivos; a seguir, o movimento se espalha para outras categorias de trabalhadores na mesma empresa; as pessoas se organizam (piquetes de greve, comitês operários nos locais de trabalho, nas linhas de montagem); os sindicatos cuidam para ser os únicos a negociar com a gerência; finalmente, os sindicatos conseguem que os trabalhadores voltem ao trabalho, depois de apresentar slogans unitários dos quais ninguém gosta mas todos aceitam por causa da incapacidade de formular outros. O único movimento que foi além do estágio de greve, tal como agora existe, foram as rebeliões e greves na Polônia entre dezembro de 1970 e janeiro de 1971.

O que aconteceu, brutalmente na Polônia, só existe como tendência no resto do mundo industrial. Na Polônia, não existe um mecanismo de “compensação”, um poder capaz de amortecer a crise social. A classe dominante teve de atacar diretamente o proletariado, para manter a acumulação do capital (extração de mais-valia) em condições normais. Os acontecimentos na Polônia revelam que a crise do capital tende a se espalhar a todas as áreas industriais, e exemplificam o comportamento da classe operária no centro da crise.

O estopim do movimento foi a necessidade de defender o preço médio de venda da força de trabalho (salário). Mas o movimento avançou imediatamente para outro campo, confrontando a sociedade capitalista enquanto tal: os proletários foram forçados a atacar os órgãos de opressão. O partido e sindicato oficiais foram atacados, o edifício do partido foi destruído. Em algumas cidades, estações ferroviárias eram mantidas vigiadas para o transporte de tropas. O movimento foi forte suficiente para formar um órgão de negociação: um comitê operário para a cidade. O próprio fato de que Gierek teve de comparecer em pessoa nos estaleiros deve ser considerado uma vitória da classe operária como um todo. Um ano depois, Fidel Castro foi ao Chile para pedir aos operários das minas de estanho que cooperassem com o governo (“socialista”). Na Polônia, os proletários não enviaram delegados ao poder central para apresentar suas exigências: o governo foi até eles para negociar... a inevitável rendição dos proletários.

Face à violência do Estado, a classe operária criou seus próprios órgãos de violência. Nenhum líder antecipou a organização da revolta: foi produzida pela natureza da sociedade a revolta que tentou destruí-la. Os líderes (o comitê operário da cidade) só apareceram depois que o movimento alcançou o ponto mais alto que sua situação permitiu. O órgão de negociação é só uma expressão da percepção, por ambos os lados, de que havia apenas uma solução possível. O que caracteriza este órgão de negociação é a ausência de delegação de poder. Ele antes representa o limite externo de um movimento que, na situação atual, não pôde ir além da negociação. As reformas, mais uma vez, são propostas pelo capital, ao passo que o proletariado se expressa na recusa prática; ele deve aceitar as propostas do poder central na medida em que sua práxis ainda não é forte o suficiente para destruir a base desse poder.

A luta proletária tende a opor diretamente sua própria ditadura à do capital, a se organizar numa base diferente da do capital e, assim, a pôr a questão da transformação da sociedade em ato. Quando as condições existentes são desfavoráveis para um ataque geral, ou quando este ataque fracassa, as formas da ditadura se desintegram, o capital triunfa de novo, reorganiza o proletariado de acordo com sua lógica, desvia a violência para seus próprios objetivos e separa o aspecto formal da luta de seu conteúdo real.

Devemos nos livrar da velha oposição entre “ditadura” e “democracia”. Para o proletariado, “democracia” não significa se organizar como um parlamento, de maneira burguesa; para ele, a “democracia” é um ato de violência por meio do qual destrói todas as forças sociais que o impedem de se expressar e que o mantêm como uma classe dentro do capitalismo. A “democracia” não pode ser nada mais do que a ditadura. Isto se observa em toda greve: a forma de sua destruição é precisamente a “democracia”. Tão logo existe uma separação entre um órgão de tomada de decisões e um órgão de ação, o movimento não está mais na fase ofensiva. Está sendo desviado para o campo do capital. Opor a democracia operária à “burocracia” dos sindicatos significa atacar um aspecto superficial e ocultar o conteúdo real das lutas proletárias, que têm uma base totalmente diferente. A democracia é hoje um slogan do capital: ele propõe a autogestão de sua própria negação. Todos aqueles que aceitam esse programa propagam a ilusão de que a sociedade pode ser mudada por uma discussão geral seguida por um voto (formal ou informal) que decidirá o que fazer. Ao manter a separação entre decisão e ação, o capital tenta manter a existência das classes. Toda crítica meramente formal - isto é, que não vai até as raízes de tal separação - perpetua a divisão. É difícil imaginar uma revolução que começa com os proletários levantando as mãos para votar. A revolução é um ato de violência, um processo através do qual as relações sociais são radicalmente transformadas. [3]

Não pretendemos fornecer uma descrição das greves que tem acontecido desde 1968. Carecemos de informação, um grande número de livros e panfletos foram escritos sobre elas. Queremos destacar o que elas têm em comum, e de que maneira sinalizam um período no qual a perspectiva comunista aparecerá cada vez mais concretamente.

Nós não dividimos a sociedade capitalista em diferentes setores - “desenvolvidos” e “subdesenvolvidos”. É verdade que algumas diferenças podem ser observadas, mas estas não ocultam a natureza das greves, nas quais não há diferenças reais entre lutas de “vanguarda” e de “retaguarda”. O processo das greves é cada vez menos determinado por fatores locais e cada vez mais pelas condições internacionais do capitalismo. Assim, as greves e revoltas na Polônia resultaram de um contexto internacional; a relação entre Ocidente e Oriente foi a raiz desses acontecimentos em que as pessoas cantam “A Internacional” e não o hino nacional. O capital ocidental e oriental têm um interesse comum: assegurar a exploração de seus respectivos proletários. E os relativamente subdesenvolvidos capitalismos “socialistas” precisam manter uma estrita eficiência capitalista para concorrer com seus mais modernos vizinhos ocidentais.

A luta comunista começa num dado lugar, mas sua existência não depende de fatores puramente locais. Ela não se desenvolve conforme os limites de seu lugar de nascimento. Os fatores locais se tornam secundários frente aos objetivos do movimento. Se uma luta se limita a condições locais, ela é imediatamente engolida pelo capitalismo. O nível alcançado pelas lutas proletárias não é determinado por fatores locais, mas pela situação global do capitalismo. Assim que a classe que concentra os interesses revolucionários da sociedade surge, ela imediatamente busca, na sua situação, e sem qualquer mediação, o conteúdo e o objetivo de sua atividade revolucionária: esmagar seus inimigos e tomar as decisões impostas pelas necessidades da luta. As conseqüências de suas próprias ações forçam-na a ir mais longe.

Ainda há uma sociedade capitalista na qual o proletariado é somente uma classe do capitalismo, uma parte do capital, situação em que ela não é revolucionária. As máquinas dos partidos e sindicatos ainda cuidam de controlar e dirigir setores consideráveis do proletariado para os fins capitalistas (como, na França, o direito à aposentadoria aos 60 anos). As eleições gerais e muitas greves são organizadas por sindicatos para reivindicações limitadas. Todavia, é cada vez mais evidente que nas maiores greves a iniciativa não vem dos sindicatos. É dessas greves que estamos falando. A sociedade industrial não foi dividida em setores, nem o proletariado se dividiu em jovens, velhos, nativos, imigrantes, estrangeiros, especializados e não-especializados. Não nos opomos a todas as descrições sociológicas; elas podem ser úteis, mas não nos interessam aqui.

Devemos tentar estudar as rupturas proletárias para além da sociedade capitalista. Tal processo tem um centro definido. Não aceitamos a visão sociológica de classe operária porque não analisamos o proletariado sob um ponto de vista estático, mas em sua luta contra o valor, contra a existência do trabalho como mercadoria. O centro deste movimento e sua liderança devem estar na classe que produz valor. De outro modo, isso significaria que o valor de troca não existe mais e que já estamos além do estágio capitalista. De fato, o profundo significado do movimento proletário é parcialmente oculto pelas lutas na periferia, nos limites da produção de valor. Foi o caso de maio de 1968, quando os estudantes mascararam a luta real, que ocorreu em outro lugar.

De fato, as lutas periféricas (as ditas novas classes médias) são apenas um sinal da crise muito mais profunda que ainda está oculta. A reiteração da crise do valor implica, para o capital, a necessidade de racionalizar, isto é, de atacar os setores atrasados que são menos capazes de se proteger. Isto aumenta o desemprego e o número daqueles que não têm reservas. Mas sua intervenção não deve nos fazer esquecer o papel essencial jogado pelos trabalhadores produtivos na destruição do valor de troca.

C) Os Dois Aspectos mais Característicos das Greves

Por um lado, a iniciativa da greve surge dos proletários auto-organizados; por outro, a iniciativa de terminar a greve vem da fração da classe organizada em sindicatos. Estas iniciativas são conflitantes, uma vez que expressam dois movimentos opostos. Nada é mais estranho a uma greve do que seu fim. O fim de uma greve é um momento de interminável palavrório, quando a noção de realidade é superada pelas ilusões: muitas reuniões acontecem e os burocratas sindicais monopolizam a palavra; as assembléias gerais atraem cada vez menos pessoas e finalmente votam pelo reinício do trabalho. O fim da greve é um momento em que o proletariado fracassa e sucumbe ao controle do capital, é novamente atomizado e destruído como classe capaz de se opor ao capital. O fim de uma greve significa negociação, o controle do movimento, ou do que resta dele, por organizações “responsáveis” - os sindicatos. O início de uma greve significa justamente o oposto: aí, a ação do proletariado não tem nada a ver com formalismo. Os que não apóiam o movimento são empurrados para fora, sejam executivos, supervisores, trabalhadores, gerentes, comitês de base ou sindicatos oficiais. Os gerentes são aprisionados, as sedes dos sindicatos são atacadas por milhares de proletários, dependendo das condições locais. Durante a greve em Limbourg (Bélgica, inverno de 1970), a sede do sindicato foi arrasada pelos proletários. Cada ato proletário de uma luta autônoma se contrapõe à destruição do movimento. Não há lugar para “democracia”: pelo contrário, tudo é evidente, e todos os inimigos devem ser derrotados sem perda de tempo ou discussões. Uma energia considerável impulsiona a ofensiva, e parece que nada é capaz de pará-la.

Nesse estágio, parece inevitável que a energia da greve comece a se dissipar com o início das negociações. O mais importante é que esta energia parece não ter relação com as razões oficiais da greve. Se algumas dezenas de proletários levam à greve milhares de outros a partir de suas próprias reivindicações, eles o conseguem não só por causa de algum tipo de solidariedade, mas pela existência de uma comunidade imediata na prática. Devemos acrescentar o ponto mais importante: o movimento não faz qualquer exigência particular. A questão que o proletariado colocará na prática já está presente em seu silêncio. Em seus próprios movimentos, o proletariado não faz nenhuma exigência particular: é por isso que esses movimentos são as primeiras atividades comunistas de nossa época.

O que importa, no processo de ruptura com o capitalismo, é que o proletariado não mais reivindica reformas parciais e particulares. Assim, o proletariado cessa de ser uma classe, visto que não defende seus interesses de classe particulares. Este processo é diferente, de acordo com as condições. O movimento que mais avançou, na Polônia, mostrou que o primeiro passo do processo é a destruição dos órgãos capitalistas de repressão dentro do proletariado (principalmente os sindicatos); o proletariado, a seguir, deve se organizar para se proteger contra os órgãos de repressão fora do proletariado (forças armadas, polícia, milícia), e começa a destruí-los.

As condições específicas na Polônia, onde os sindicatos eram parte do aparato estatal, forçaram o proletariado a não fazer distinções entre os sindicatos e o Estado, já que não havia nenhuma. A fusão entre os sindicatos e o Estado apenas tornou evidente uma evolução que não aparece com nitidez em outros países, como França e Itália. Em muitos casos, os sindicatos ainda jogam o papel de amortecedor entre os trabalhadores e o Estado. Mas uma luta radical cada vez mais terá que atacar os sindicatos e as frações do proletariado dominadas pelos sindicatos. Foi-se o tempo em que os proletários formavam sindicatos para defender suas qualificações e o direito ao trabalho.

As atuais condições da sociedade obrigam o proletariado a não fazer qualquer reivindicação particular. A única comunidade organizada e tolerada pelo capital é a comunidade do trabalho assalariado: o capital tende a proibir todas as outras. Agora, o capital domina a totalidade das relações entre os homens. Torna-se óbvio que toda luta parcial é forçada a se inserir numa luta geral contra todo sistema de relações entre as pessoas: contra o capital. De outro modo, ela é integrada ou destruída.

Na paralisação dos ônibus e do metrô (R.A.T.P.) de Paris, no fim de 1971, a atitude resoluta dos condutores de metrô transformou a luta num movimento totalmente diferente de uma greve de uma categoria de proletários. O conteúdo do movimento não depende do que as pessoas pensam. A atitude dos condutores transformou suas relações com a gerência da R.A.T.P. e com os sindicatos, e revelou claramente a verdadeira natureza do conflito. O próprio Estado teve de intervir para forçar os condutores a recuar e aceitar a mediação dos sindicatos. Quer os condutores acreditem ou não, a greve não era mais deles; ela se tornou um assunto público e os sindicatos foram oficialmente reconhecidos como órgãos de coerção contra os trabalhadores, órgãos encarregados de restaurar a ordem normal das coisas. É impossível compreender a importância do “silêncio” do proletariado a menos que compreendamos o forte desenvolvimento do capitalismo até agora. Hoje em dia, é considerado normal que o fim da greve seja controlado pelos sindicatos. Isto não implica qualquer fraqueza por parte do movimento revolucionário. Pelo contrário, numa situação que não permite reivindicações parciais a serem alcançadas, é normal que não devam ser criados órgãos para terminar a greve. Assim, não se observa a criação de organizações proletárias que unam frações do proletariado fora dos sindicatos num programa de reivindicações específicas. Algumas vezes, grupos operários que se formam durante a luta opõem suas reivindicações às dos sindicatos. Mas suas possibilidades são destruídas pela própria situação, que não lhes permite existir por muito tempo.

Se esses grupos querem manter sua existência, eles precisam agir fora dos limites da fábrica, ou serão destruídos pelo capital. O desaparecimento desses grupos é um dos sinais da natureza radical do movimento. Se existissem como organizações, perderiam sua característica radical. Assim, eles desaparecerão e depois retornarão de um modo mais radical. A idéia de que os grupos proletários finalmente obterão êxito, depois de muitas experiências e fracassos, formando uma poderosa organização capaz de destruir o capitalismo, é similar à idéias burguesas de que uma crítica parcial gradualmente se torna radical. A atividade proletária não surge de experiências e não tem outra “memória” senão as condições gerais do capital, que a compelem a agir de acordo a sua natureza. O proletariado não acumula experiências; o fracasso de um movimento é ele mesmo uma demonstração adequada de suas limitações.

A organização comunista surgirá da necessidade prática de transformar o capitalismo em comunismo. A organização comunista é a organização da transição para o comunismo. Aqui reside a diferença fundamental entre nossa época e os períodos anteriores. Nas lutas que aconteceram entre 1917 e 1920, na Rússia e Alemanha, o objetivo era organizar uma sociedade pré-comunista. Na Rússia, as minorias revolucionárias do proletariado tentaram conquistar as outras frações, e mesmo os camponeses pobres. O isolamento dos revolucionários e as condições gerais do capitalismo tornaram-lhes impossível de imaginar a transformação prática de toda sociedade sem um programa que unisse todas as classes exploradas. Estes revolucionários foram circunstancialmente esmagados.

A diferença entre o presente e o passado decorre do grande desenvolvimento das forças produtivas e do incremento, quantitativo e qualitativo, do proletariado. Hoje, o proletariado é muito mais numeroso [4] e usa meios de produção altamente desenvolvidos. As atuais condições do comunismo foram desenvolvidas pelo capital. A tarefa do proletariado não é mais apoiar as frações progressistas do capital contra as reacionárias. A necessidade de uma transição entre a destruição do poder capitalista e o triunfo do comunismo, durante a qual o poder revolucionário cria as condições do comunismo, também desapareceu. Portanto, não há lugar para uma organização comunista como mediação entre as frações radicais e não-radicais do proletariado. O fato de que uma organização que apóia o programa comunista não consiga emergir durante o refluxo entre as maiores lutas é resultado de uma nova relação de classe no capitalismo.

Por exemplo, na França, em 1936, a reação do capital foi tal que se fez necessária uma mudança de governo antes que os trabalhadores pudessem obter o que queriam. Hoje, os governos lançam as reformas, criando situações onde os proletários se organizam para reivindicar como suas as necessidades da produção (participação, autogestão). A economia contemporânea exige cada vez mais planejamento. Tudo que está fora do plano é uma ameaça à harmonia social, sendo considerado não-social e deve ser destruído. Devemos ter isto em mente quando analisarmos greves ou tentativas de insurreição. Os sindicatos devem (a) aproveitar-se das lutas dos proletários, controlando-as; (b) opor-se a ações como sabotagem e interrupção da linha de montagem, para permanecer dentro dos limites do plano (acordos de produtividade, acordos salariais etc.).

D) Formas de Ação que não Podem Ser Recuperadas: Sabotagem e Interrupção da Linha

A sabotagem é praticada nos EUA há muitos anos e agora está se desenvolvendo na Itália e na França. Em 1971, durante uma greve nas ferrovias da França, a C.G.T. denunciou oficialmente a sabotagem e os “elementos irresponsáveis”. Diversas locomotivas foram desajustadas e algumas danificadas. Na greve da Renault, na primavera de 1971, vários atos de sabotagem danificaram veículos que estavam sendo montados. A sabotagem está se generalizando. A interrupção da linha, que já existia como fenômeno latente, agora está se tornando uma prática comum. Ela aumentou com a entrada de jovens proletários ao mercado de trabalho e a automação. É acompanhada por uma taxa de absenteísmo que causa sérios problemas para os capitalistas.

Esses acontecimentos não são novos na história do capitalismo. Novo é o contexto em que ocorrem. Eles são sintomas superficiais de um profundo movimento social e indicam um processo de ruptura com a sociedade existente. No início do século, a sabotagem foi usada como meio de fazer pressão contra os patrões e para forçá-los a aceitar a existência dos sindicatos. O sindicalista revolucionário francês Pouget examinou isso num panfleto chamado Sabotagem. Ele cita um orador proletário, num congresso operário em 1895: “Os patrões não têm o direito de contar com nossa caridade. Se eles se recusam a discutir nossas reivindicações, então é só pôr em prática a ‘operação tartaruga’ até que eles decidam nos ouvir.”

Pouget acrescenta: “Aqui está uma clara definição das táticas de sabotagem: MAU SALÁRIO, MAU TRABALHO. Esta linha de ação, usada pelos operários ingleses, pode ser aplicada na França, pois nossa posição social é similar à de nossos irmãos ingleses.”

A sabotagem era usada pelos operários contra o patrão para que este admitisse negociar com eles. Foi a maneira de conseguir liberdade de palavra. A sabotagem ocorreu num movimento que tentava incluir a classe operária na sociedade capitalista. A interrupção da linha era uma tentativa de melhorar as condições de trabalho. A sabotagem não era uma recusa rude e direta da sociedade como um todo. A diminuição do ritmo (operação tartaruga) apenas combate alguns efeitos do capitalismo. Outro estudo será necessário para examinar os limites de tais lutas e as condições de sua absorção pelo capital. A importância social dessas lutas permite considerá-las como a base do “reformismo moderno”. A palavra “reformismo” pode ser usada para designar ações que poderiam ser absorvidas pelo sistema capitalista. Se hoje elas são um estorvo à atividade normal, amanhã poderão estar ligadas à produção. Um capitalismo “ideal” poderia tolerar a autogestão das condições de produção: desde que um lucro normal é conseguido pela empresa, a organização do trabalho pode ser deixada aos trabalhadores.

O capitalismo tem realizado experimentos nessa direção, particularmente na Itália, nos EUA, na Suécia (Volvo)[5]. Na França, as organizações esquerdistas “liberais” como o P.S.U., a C.F.T.D. e a esquerda do Partido Socialista são expressões dessa tendência capitalista. Por enquanto, esse movimento não pode ser definido nem como reformista nem como anticapitalista. Esse “reformismo moderno” tem sido freqüentemente dirigido contra os sindicatos. Ainda é difícil descrever suas conseqüências para a produção capitalista. Mas podemos ver o quanto essas lutas atraem grupos de proletários que sentem a necessidade de agir fora dos limites impostos pelos sindicatos.

Mas a sabotagem é diferente. Existem dois tipos de sabotagem: (a) a que destrói o produto do trabalho ou a máquina; (b) a que danifica o produto de modo que ele não possa ser consumido. A sabotagem, tal como existe hoje, não pode ser controlada pelos sindicatos nem absorvida pela produção. Mas o capital pode impedi-la, aperfeiçoando a vigilância. Por esta razão, a sabotagem não pode ser uma forma de luta contra o capital. A sabotagem é um reflexo do indivíduo: ele se submete a ela, como uma paixão. Embora tenha que vender sua força de trabalho, ele age como o louco comparado ao “racional” (que vende sua força de trabalho e trabalha de acordo). Esta “loucura” consiste na recusa de se transformar em força de trabalho, de ser uma mercadoria. O indivíduo se odeia como essa criatura alienada, dividida; ele quer, através da destruição, da violência, reunir um ser que só existe no e pelo capital.

Esses atos estão fora dos limites de todo planejamento econômico e, portanto, da “razão”. Com freqüência, a imprensa os define como “anti-sociais” e “loucos”: parecem ser perigosos o bastante para que o capital tente suprimi-los [6]. A ideologia cristã aceitou o sofrimento e a desigualdade social dos trabalhadores; hoje, a ideologia capitalista impõe a igualdade perante o trabalho assalariado, mas não tolera nada que se oponha ao trabalho assalariado. A necessidade que o indivíduo sente de repelir fisicamente sua transformação num ser totalmente submisso ao capital mostra o quanto esta submissão se tornou insuportável. Os atos destrutivos são parte da tentativa de abolir o trabalho assalariado como forma de comunidade social. No silêncio do proletariado, a sabotagem aparece como o primeiro balbuciar da fala humana.

As duas atividades - interrupção da linha e sabotagem - requerem um certo grau de acordo entre as pessoas que trabalham onde essas atividades são exercidas. Isto revela que, embora não apareçam organizações oficiais ou formais, existe uma rede clandestina de relações de teor anticapitalista. Esta rede é mais ou menos densa, de acordo com a importância da atividade, e desaparece com o fim da ação anticapitalista. Fora da ação prática(e, portanto,teórica)subversiva, é comum que os grupos que se formam em torno dessas tarefas se dissolvam. Com freqüência, sustentar uma ficção de “comunidade social” resulta numa atividade secundariamente anticapitalista, primariamente ilusória. Na maioria dos casos, esses grupos acabam se formando em torno de algum eixo político. Na França, núcleos de proletários se agrupam em torno de organizações como “Lutte Ouvrière”, alguns sindicatos da C.F.D.T. ou grupos maoístas. Isto não significa que minorias trotskistas, maoístas, ou do C.F.D.T. estão ganhando espaço entre os trabalhadores, senão que algumas minorias proletárias estão tentando romper o isolamento. Em todos os casos, o fim da rede e da ação anticapitalista significa a reorganização do proletariado pelo capital, como parte do capital.

Em resumo, fora de suas atividades, o comunismo não existe. A dissolução de um movimento social com conteúdo comunista é acompanhada pela dissolução de todo o sistema de relações que ele organizou. A democracia, a divisão das lutas em “econômicas” e “políticas”, a formação de uma vanguarda com uma “consciência” socialista, são ilusões do passado. Estas ilusões não são mais possíveis, à medida que um novo período se inicia. O fim das organizações - criadas pelo movimento, e que desaparecem quando o movimento acaba - não reflete a fraqueza do movimento, mas sua força. O tempo das falsas batalhas acabou. O único conflito real é aquele que leva à destruição do capitalismo.

E) A Atividade dos Partidos e Sindicatos em Face da Perspectiva Comunista

1) No mercado de trabalho, os sindicatos cada vez mais se tornam monopólios que compram e vendem força de trabalho. Quando se unificou, o capital unificou também as condições da venda de força de trabalho. No capitalismo, o proprietário da força de trabalho não é apenas forçado a vendê-la para poder sobreviver, mas deve também se associar a outros proprietários para poder vendê-la. No retorno da paz social, os sindicatos conseguem o direito de controlar o contrato de trabalho. Na sociedade moderna, os trabalhadores são cada vez mais obrigados a se sindicalizar se querem vender sua força de trabalho.

No início deste século, os sindicatos eram associações de trabalhadores que se uniram para defender o preço médio da venda de sua mercadoria. Os sindicatos não eram nada revolucionários, como foi revelado pela atitude deles na primeira guerra mundial, quando apoiaram a guerra, direta ou indiretamente. Na medida em que os proletários estavam lutando por sua existência como classe dentro da sociedade capitalista, os sindicatos não tinham função revolucionária. Na Alemanha, durante a insurreição de 1919-1920, os sindicatos se limitaram a defender seus direitos econômicos num contexto geral de luta contra o capitalismo [7]. Fora do período revolucionário, o proletariado é apenas uma fração do capital representada pelos sindicatos. Enquanto outras frações do capital (capital financeiro e industrial) estavam formando monopólios, o proletariado, enquanto capital variável, também formava o seu monopólio, do qual os sindicatos eram os gestores.

2) Os sindicatos se desenvolveram, do fim do século XIX ao início do século XX, como organizações de defesa do trabalho qualificado. Isto ficou particularmente claro com o surgimento da A.F. L. nos EUA. Até a primeira guerra mundial (ou, melhor, até o surgimento da C.I.O., na década de 1930 nos EUA) os sindicatos cresceram apoiando-se nas frações relativamente privilegiadas da classe operária. Isto não significa que não tiveram influência nos segmentos mais explorados, mas essa influência só foi possível quando coerente com os interesses dos operários qualificados. Com o desenvolvimento da automação, a tendência é a substituição dos operários qualificados por técnicos cuja função é, também, de controlar e supervisionar as massas de proletários não-qualificados. Por isto, os sindicatos, tendo perdido importantes contingentes operários, cujas qualificações desapareceram, tentam recrutar os técnicos.

3) Os sindicatos representam o proletariado enquanto capital variável, força de trabalho. Esta força é a única capaz de valorizar capital. Os sindicatos têm de fundir seu programa de desenvolvimento com o do capital financeiro e industrial, se pretendem manter “a sua” força de trabalho sob controle. Os representantes do capital variável, do capital sob a forma de força de trabalho, mais cedo ou mais tarde devem se juntar aos representantes das frações do capital que estão no poder. As coalizões governamentais, que reúnem a burguesia liberal, tecnocratas, grupos políticos de esquerda e sindicatos, surgem como uma necessidade na evolução do capitalismo. O capital requer sindicatos fortes, capazes de propor medidas econômicas para valorizar o capital variável. Os sindicatos não são “traidores”, no sentido de que traem os interesses do proletariado: eles são coerentes consigo mesmos e com o proletariado, quando este aceita sua natureza capitalista.

4) Assim, torna-se compreensível a relação entre o proletariado e os sindicatos. Quando se inicia o processo de ruptura com o capitalismo, os sindicatos são imediatamente desmascarados e ultrapassados. Mas, assim que o processo termina, o proletariado não pode mais contribuir para sua reorganização pelo capital, ou seja, pelos sindicatos. Já não há ilusões “sindicalistas” no proletariado. Há apenas uma organização capitalista, isto é, “sindicalista”, do proletariado.

5) Na Itália, o atual desenvolvimento das relações entre sindicatos e patrões ilustra o que dissemos. A evolução dos sindicatos deve ser observada com atenção. É normal que, em áreas relativamente atrasadas (do ponto de vista econômico e comparadas com os EUA), como a França e a Itália, os efeitos da modernização da economia sejam acompanhados pela tendência mais moderna do capital. O que ocorre na Itália é, de várias maneiras, uma indicação do que está amadurecendo em outros países.

A situação italiana nos ajuda a compreender a francesa. Na França, a C.G.T. e o P.C.F. reagiram hostilmente às lutas proletárias. Na Itália, porém, a C.G.I.L. e o P.C.I. foram capazes de se reciclar para a nova situação. Este é um dos motivos da diferença entre o “maio” francês e o “maio” italiano. Na França, o maio de 68 aconteceu repentinamente e dificilmente pôde ser entendido. A situação italiana evolui mais lentamente, revelando suas tendências.

A primeira fase durou da primavera de 1968 até o inverno de 1971. O elemento principal foi o surgimento de lutas proletárias autônomas, fora e contra os sindicatos e organizações políticas. Os comitês de ação proletária logo se formaram, com uma diferença fundamental: na França, os proletários foram retirados das fábricas pelos sindicatos, o que na prática fez com que se iludissem quanto aos limites da fábrica. Na medida em que a situação geral não lhes permitia ir além, desapareciam. Na Itália, contudo, desde o início, os comitês proletários foram capazes de se organizar dentro das fábricas. Nem os patrões e nem os sindicatos podiam se opor a eles. Muitos comitês se formaram nas fábricas isolados dos outros, e todos começaram a questionar o ritmo da linha e a organizar a sabotagem.

Esta foi, de fato, uma forma alienada da crítica do trabalho assalariado. A cada passo do movimento italiano, a atividade dos grupos ultra-esquerdistas foi particularmente digna de nota. Sua atividade consistiu em reduzir o movimento ao seu aspecto formal. Ocultando seu conteúdo real, criaram a ilusão de que a “autonomia” das organizações operárias era, enquanto tal, revolucionária o suficiente para ser apoiada e afirmada. Eles glorificaram todos os aspectos formais. Mas, visto que não eram comunistas, não foram capazes de expressar o movimento existente na luta contra o ritmo da linha e as condições proletárias, movimento que orientava a luta contra o trabalho assalariado.

A luta proletária, enquanto tal, não encontrou resistência. Foi o que a desarmou. Nada mais podia fazer, senão se adaptar às condições da sociedade capitalista. Os sindicatos, por seu turno, reciclaram sua estrutura para anular o movimento operário. Segundo Trentin, líder do C.G.I.L., eles decidiram organizar “uma completa transformação do sindicato e um novo tipo de democracia de base”. Reformaram suas organizações de fábrica de acordo com o modelo dos comitês “autônomos” que surgiram nas lutas recentes. A capacidade dos sindicatos de controlar o conflito industrial fez com que aparecessem como a única força capaz levar os trabalhadores a retomar o trabalho. Houve negociações nalgumas grandes empresas, como a Fiat. O resultado deu ao sindicato o direito de interferir na organização do trabalho (tempo e ritmo, normas de trabalho etc.). Em troca, a gerência da Fiat desconta a contribuição sindical do salário dos operários, como já acontecia na Bélgica. Ao mesmo tempo, sérios esforços são feitos para alcançar um acordo de união entre os maiores sindicatos: U.I.L. (socialista), C.I.S.L. (democrata cristão), C.G.I.L. (do P.C.I.).

NOTA: O exemplo italiano revela com nitidez a tendência dos sindicatos a se tornar monopólios que negociam as condições de produção de mais-valia com outras frações do capital. Abaixo, as opiniões de Petrilli, presidente da empresa estatal I.R. (Cartel do Estado), e de Trentin:

Trentin: “... o enriquecimento do cargo e a admissão de um grau de autonomia mais alto na tomada de decisões pelos grupos operários interessados (em cada fábrica) já são possíveis... Mesmo quando, devido ao fracasso do sindicato, os protestos operários levam a reivindicações ilusórias e irracionais, os operários exprimem sua recusa de produzir sem pensar, de trabalhar sem decidir; eles exprimem sua necessidade de poder.”

Petrilli: “Na minha opinião, é evidente que o sistema de linha de montagem implica um desperdício real de capacidades humanas e produz um compreensível sentimento de frustração no trabalhador. As tensões sociais resultantes devem ser encaradas realistamente como fatos mais estruturais do que conjunturais... A maior participação dos trabalhadores na elaboração dos objetivos da produção põe uma série de problemas, tendo a ver menos com a organização do trabalho do que com a definição do equilíbrio de poder dentro da empresa.”

Os programas são idênticos e os objetivos são os mesmos: o aumento da produtividade. O único problema que permanece é a distribuição do poder, que está na raiz da crise política em muitos países industriais. É provável que o fim da crise política seja acompanhado pelo surgimento do “poder operário” como poder do trabalho assalariado, sob várias formas: autogestão, coalizões “populares”, partidos socialistas-comunistas, governantes de esquerda com programas de direita, governos de direita com programas de esquerda... [8]

NOTAS:

[1] Se tivesse, as pessoas saberiam dele como aconteceu com o Conselho para a Manutenção das Ocupações (CMDO), influenciado pelos situacionistas, ativo desde 10 maio e localizado em outro prédio universitário, dez minutos à pé tanto da Sorbonne quanto do Censier. Na sua versão de 68, a Internacional Situacionista considera o comitê de Censier como empoeirado demais para ser de real interesse.. O CMDO divulgou amplamente vários cartazes e panfletos, na França e no exterior, enquanto o comitê de Censier era mais conectado aos locais de trabalho. Mas a verdade é que ambos estavam entre os melhores aspectos radicais de 68. Descrito pela IS como “um elo, não um poder”, o CMDO decidiu se dissolver em 15 de junho. (nota de 1997. Gilles Dauvé)

[2] Conseqüentemente, o relatório do M.I.T. e o debate sobre “crescimento zero”.

[3] Eis um exemplo da direção da greve, em Paris-Nord, 1986. A assembléia decidira não bloquear as linhas para impedir que os trens circulassem. Mas, quando viram o primeiro trem saindo da estação, conduzido por gerentes médios e sob proteção policial, os grevistas imediatamente bloquearam, pouco se importando com as horas de espontânea discussão democrática.

O comunismo é naturalmente o movimento da grande maioria, a longo prazo, capaz de decidir e dirigir seus atos. Neste sentido, o comunismo é “democrático”, mas ele não defende a democracia como princípio. Políticos, patrões e burocratas se aproveitam da minoria ou da maioria quando lhes interessa: assim, também, faz o proletariado. A militância proletária muitas vezes se reduz a poucos. O comunismo não é o domínio da maioria, nem o de poucos. Para debater e/ou iniciar a ação, as pessoas evidentemente tem de se unir em algum lugar. Este lugar tem sido chamado de soviete, comitê, conselho etc. Ele se torna uma instituição, contudo, quando separado do movimento, o aparato decisório prevalece sobre as ações. Esta separação é a essência do parlamentarismo.

Realmente, as pessoas devem decidir por si mesmas. Mas qualquer decisão, revolucionária ou não, depende do que aconteceu antes e do que ainda está acontecendo fora da estrutura formal de decisão. Quem organiza a assembléia põe a agenda; quem levanta a questão determina a resposta; quem chama ao voto induz à decisão. A revolução não estabelece uma forma diferente de organização, mas uma solução diferente daquela do capital e do reformismo. Como princípios, democracia e ditadura são igualmente erradas: elas isolam um momento especializado e aparentemente privilegiado.

A reivindicação por democracia teve seu auge na França, em 1968. Dos apoiadores aos franco-atiradores e ginasianos, cada grupo queria se juntar e livremente gerir seu próprio mundo, esperando que disso resultasse uma mudança global. Mesmo os situacionistas permaneceram no campo da democracia - numa forma conselhista, isto é, anti-estatista e além da mercadoria e do lucro, mas ainda separando meios de fins. A IS foi a expressão mais adequada de maio de 68. (nota de 1997, Gilles Dauvé)

[4] Esta afirmação de 1972 pode parecer estranha, depois de 25 anos, mas estamos seguros de que ainda é verdade. O crescente desemprego acompanha o surgimento de muitos assalariados, não só nos EUA, mas na França e mais ainda em escala mundial, onde milhões de pessoas são lançadas à miséria do trabalho moderno nas últimas décadas, como na China. Desnecessário é dizer que o “trabalho” tem um significado muito diferente. Um trabalhador assalariado africano sustenta com seu salário mais de 20 pessoas, enquanto na Europa Ocidental um assalariado sustenta 2 ou 3. (nota de 1997, Gilles Dauvé)

[5] Refere-se à transformação do sistema Taylor. A linha de montagem, em parte, já desapareceu em algumas fábricas.

[6] O dirigente oficial do PC declarou, em 1970: “Existem trabalhadores que nunca defenderemos: aqueles que quebram as máquinas ou carros que fabricaram.” (nota de 1997, Gilles Dauvé)

[7] Assim como o movimento de Delegados de Base, os Comitês Sindicalistas Revolucionários franceses e a Associação Geral dos Trabalhadores Alemã (AAUD).

[8] Como a IS quase ao mesmo tempo, este texto considerou a Itália como um laboratório de pesquisas da ação proletária e da reação capitalista. Nos anos seguintes, a Itália exibiu uma rica variedade de autonomia proletária: indisciplina, absenteísmo, assembléias no chão da fábrica e sem aviso, manifestações prévias à convocação de uma greve, piquetes selvagens, bloqueio de mercadorias... Uma característica permanente foi a recusa da hierarquia: igual aumento de salários, ausência de categorias privilegiadas, liberdade para falar... Outro aspecto, a tentativa de superar a diferença entre representação e ação (parlamento / governo: veja, acima, a nota 3) na atividade das comissões de base. Esta auto-organização foi essencial como meio de ação coletiva, mas como órgão de transformação social não obteve êxito e desapareceu com a sublevação proletária.

Não por acaso, os comitês de grandes fábricas do norte da Itália só foram frouxamente conectados: resistir ao patrão pode ser uma questão local, mas reorganizar a produção e a vida social exige sair do local de trabalho. Isto é, ultrapassar os muros da fábrica e da empresa, enquanto valor acumulado do qual fazemos parte. (nota de 1997, Gilles Dauvé)